Título: Negociação evita quebra de patente
Autor: Lígia Formenti
Fonte: O Estado de São Paulo, 09/07/2005, Vida&, p. A24

O governo brasileiro voltou atrás e não vai mais quebrar a patente do medicamento anti-retroviral Kaletra, produzido pelo Abbott. Em nota divulgada ontem às 19h50, o Ministério da Saúde afirmou que o resultado da negociação com a multinacional foi satisfatório, garantiu a redução significativa dos preços e a sustentabilidade do programa de aids brasileiro. O acordo, concluído ontem, prevê a inclusão no programa de uma nova formulação do anti-retroviral, que deverá entrar no mercado dentro de dois anos, e a transferência de tecnologia para a produção do Kaletra o no País. A decisão, divulgada horas depois de Humberto Costa deixar o ministério, era aguardada com expectativa desde a manhã, no Brasil e em vários países do mundo. Mesmo depois do acordo, as divergências entre governo e laboratório persisitram. (leia texto ao lado).

A curiosiadade em torno do acordo aumentou quinta-feira, quando acabou o prazo de dez dias dado pelo então ministro Humberto Costa para que o laboratório reduzisse o preço do medicamento para US$ 0,68. Esse ultimato tinha sido feito no dia 24, quando o governo declarou o Kaletra, usado por 23.400 pessoas no País e um dos mais caros do programa, como de utilidade pública. Na ocasião, Costa assegurou que nenhuma alternativa de acordo seria admitida caso o laboratório não chegasse ao preço estipulado pelo governo.

Na nota, o minitério não faz menção sobre o valor que será pago pelo Kaletra já no próximo ano. Informa, apenas, que as negociações vão garantir uma redução de US$ 18 milhões em 2006. Num período de seis anos, a economia seria de US$ 256 milhões. Atualmente, o governo gasta US$ 91,6 milhões para a compra do Kaletra. A redução de custos no período de um ano calculada pelo ministério é menor do que havia sido prevista caso a patente do Kaletra fosse quebrada e a produção nacional, iniciada. Há duas semanas, quando afirmou que a patente do medicamento seria quebrada, Costa sustentava que a produção nacional do medicamento reduziria o custo da compra do medicamento a praticamente a metade.

Por outro lado, o ministério informa que não haverá aumento de custos, mesmo com a incorporação de novos pacientes no programa. "Hoje, 23.400 pacientes do programa recebem Kaletra e estima-se que em seis anos esse número chegue a 60.000", informa a nota.

O comunicado cita ainda o fornecimento do Kaletra de uso pediátrico como parte do acordo. Nos próximos seis anos, os custos também estarão congelados, mesmo com o aumento do número de pacientes.

A nota divulgada pelo ministério esclarece que brasileiros vão receber o Kaletra de nova geração, batizado de Meltrex, atualmente em processo de registro nos Estados Unidos. A nova droga facilta a forma de tratamento e reduz efeitos colaterais, como diarréia. Além disso, não precisa ser guardado em locais refrigerados, o que facilita tanto o uso por pacientes como a logística de distribuição, por parte do ministério.

O País nunca quebrou a patente de nenhum medicamento. No entanto, as ameaças já foram várias. A primeira vez foi em 2001, quando o então ministro José Serra anunciou que quebraria a patente do nelfinavir. Como desta vez, um acordo foi realizado e a patente, preservada.

Desde a Declaração de Doha a atenção de ONGs, de governos e agências voltou-se para o Brasil. O acordo permite que países tomem pedidas de proteção para a saúde pública, entre elas, a quebra de patente, desde que haja emergência ou grande interesse público num país. No último ano, ONGs brasileiras aumentaram a pressão para que o governo brasileiro recorresse a essa medida. Mesmo OMS já havia afirmado que tal decisão seria um exercício de direito.