Título: Eles chegam para aliviar a dor
Autor: Marisa Folgato
Fonte: O Estado de São Paulo, 10/07/2005, Vida&, p. A24

Cada vez mais especializados, voluntários levam cor, brincadeiras, histórias e carinho aos pacientes dos hospitais

Já não basta boa vontade quando o assunto é voluntariado. Principalmente na área da saúde. Cada vez mais os candidatos têm de passar por processos de seleção e treinamento rigorosos, às vezes de um ano. São cadastros, questionários, palestras, visitas, cursos, entrevistas, avaliações. Tudo para virar calouro ou estagiário. E pensa que eles reclamam? Na hora do olho no olho com os pacientes, percebem que só ganham com isso, estão amparados e seguros para tratar de tudo - menos de doença, que é assunto proibido - e receber muito mais do que oferecem. Tranças enfeitadas por enormes joaninhas, bochechas cheias de ruge e narigão vermelho. Meia hora e pronto. A microempresária Ana Cláudia Mui¿os, de 30 anos, está transformada em Monalisa, uma palhaça disposta a tudo para animar crianças em tratamento. "Preenchi o primeiro questionário para me candidatar à Operação Arco-Íris em setembro e ainda sou caloura", conta Cacau. "Muitos desistem. Eu me encontrei, vesti a camisa."

Como seu pai morreu de câncer, Cacau achou que estava pronta para atender crianças com a doença de imediato. "Mas, mesmo com o treinamento, o primeiro dia chocou, tive medo de falhar. Foi bom, mas cansativo. Saí de lá um bagaço." Agora Monalisa anda serelepe pelos corredores de três hospitais, sábado sim, sábado não, com os veteranos da Operação Arco-Íris, que começou as atividades em 1994, tem 32 clowns voluntários e, na última seleção, absorveu apenas 10 dos 200 inscritos. "Brinco e faço até minhas mágicas. Vim porque queria ajudar o outro e agora sei que a ajudada sou eu."

Estagiária, a designer Fabiana de Fátima Vallina, de 30 anos, ainda usa um avental azul emprestado sobre a camiseta amarela e tem crachá sem foto no Grupo de Apoio ao Adolescente e à Criança com Câncer (Graacc). "Só muda quando ficar efetiva", diz ela, enquanto ajuda Natália, paciente de 3 anos, a lidar com o computador na brinquedoteca. Faz isso uma vez por semana.

A mãe da menina, Jandira Rosa Silveira, de 30 anos, considera o trabalho das voluntárias excelente. "A gente se sente aliviada com as brincadeiras e o amor delas pelas crianças. Torna a vinda ao hospital menos sofrida." Natália está em tratamento desde que tinha 1 ano e meio. "Ela precisa se distrair porque tem hora para chegar, mas não para sair."

A doméstica Adriana dos Reis Santos, de 29 anos, ficou encantada com o carinho das voluntárias da brinquedoteca e do bazar. "É positivo, a gente se sente em casa", disse. Ela está levando a filha Júlia, de 3 anos, ao Graacc. "Saiu um caroço no pé dela. A médica disse que vai ter de operar, mas não é grave."

ENERGIA

Fabiana fez o primeiro contato com o Graacc em março e participou do último curso, no início de junho. "Logo no treinamento disseram que não se deve sentir pena aqui. Precisam de energia, disposição e responsabilidade."

Ela não falta. Nem Linda Deisy Bracco, de 59 anos, que trabalha no bazar do Graacc, uma mistura de loja e brechó. "É o melhor dia da semana e, se pudesse, viria mais. A gente vê a força impressionante dessa gente, que não reclama nunca, mesmo vivendo uma miséria tão grande, e aprende muito."

Linda nunca foi voluntária. "Tive câncer há 15 anos e achei que tinha obrigação de fazer alguma coisa", conta. E teve de insistir muito para ser chamada. "Fui até chata. Agora sou estagiária e dizem que vou passar para efetiva. Aí não vão poder me mandar embora", brinca.

Foi no Graacc que ela descobriu uma vizinha. "Fiz uma grande amiga. A equipe é muito unida", diz a química Csilla Irene Zold, de 57 anos, que entrou no voluntariado após a aposentadoria na Mercedes-Benz. Agora as duas vão juntas às quartas-feiras.

"Muita gente não quer ficar no bazar, que é fora do prédio, porque acha chique estar no hospital. Mas temos bastante contato com pacientes aqui", conta Csilla. "Damos apoio com conversa, conselhos e até água, bolacha. É uma terapia", diz Linda. As duas fizeram, além do treinamento no Graacc, o curso do Centro do Voluntariado, na Fiesp.

Lilian da Silva Santos, de 25 anos, foi uma das 170 selecionadas, entre 1.200 inscritos, para participar da Associação Viva e Deixa Viver, de contadores de histórias. "Foi um ano entre a inscrição e o início no Hospital Emílio Ribas. Achava que não ia conseguir porque sou chorona", conta Lilian, que trabalha no Portal do Senac. Mas foi em frente. "Esse processo todo de seleção e treinamento é importante até para você se avaliar. Entrei no hospital preparada. A morte é uma possibilidade." Já presenciou duas. "O primeiro menino para quem contei história no Emílio morreu. Não tinha como curá-lo, mas sei que ele levou algo de bom com nossas histórias."

Cada contador deixa um diário para que o próximo voluntário a chegar saiba o que foi feito e como está o paciente, que tipo de atenção precisa. "Já trabalhava em um abrigo, mas não via resultado, porque é preciso ser bom para você, mas ter ganho para a criança também. Usei muitas coisas do Viva para avançar no trabalho lá, que ainda mantenho. Melhorou muito."

"Trabalhando no hospital, a gente sente que, se algum dia precisar, gostaria de estar em um lugar com voluntários", diz a administradora de empresas Guaciara Inês de Lorenzi Kambara, de 49 anos. Ela vai ao Instituto Dante Pazzanese duas vezes por semana há um ano. "O treinamento e as visitas ajudam bastante no começo."