Título: China tenta reeducar membros do PC
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Fonte: O Estado de São Paulo, 10/07/2005, Internacional, p. A20

Cerca de 70 milhões de pessoas irão às aulas destinadas a fortalecer a ideologia

PEQUIM - O Partido Comunista permanece firmemente no controle da China, apesar de um número de membros serem caprichosos e corruptos, disse um alto funcionário recentemente, fornecendo um raro vislumbre da maquinária interna de uma organização com quase 70 milhões de membros. Li Jingtian, vice-chefe do reservado Departamento de Organização do partido, disse à imprensa que uma campanha de educação em massa tinha sido lançada em janeiro para estimular disciplina entre os membros e garantir que a "natureza progressista" do partido estivesse alcançando notáveis resultados.

Desde o início do ano, milhões de chineses assistiram a aulas destinadas a fortalecer a ideologia do partido, estimular a autocrítica e encorajar a estabilidade.

O programa volta à escola, lançado pelo presidente Hu Jintao e o primeiro-ministro Wen Jiabao, é destinado a reforçar o poder de base da organização, conter os abusos, melhorar a imagem pública do partido e conter a dissidência.

A China introduziu mais controles e está, por outro lado, adotando a competição da esfera econômica como um meio de combater a ineficiência e a corrupção, mas continua se opondo à competição no domínio político.

A campanha de educação ao estilo Mao, na qual os membros do partido são encorajados a pensar em uníssono, parece estar cada vez mais estranha diante da enxurrada de marcas de pasta de dente, de grupos de rap e da crescente individualidade encontrada em qualquer parte desta sociedade.

Educar cerca de 70 milhões de pessoas, mesmo em sessões que duram somente poucas horas, não é uma tarefa fácil. Li disse que o primeiro grupo de 13,9 milhões de membros tinha se envolvido no treinamento.

A grande parte era de funcionários do governo e do partido, os membros mais fáceis de serem atingidos e motivados.

Um segundo grupo de 30 milhões de membros, a maioria de organizações ligadas ao governo, está em treinamento, disse Li. O último grupo, de cerca de 26 milhões de pessoas, será recrutado amplamente nas áreas rurais.

Se o treinamento irá fixar as idéias que o partido espera, particularmente entre os jovens membros geralmente mais preocupados com salários do que solidariedade, não se sabe.

Uma funcionária de uma companhia de Pequim que recentemente participou de uma sessão de estudo patrocinada por sua unidade de trabalho disse que ela não absorveu muita coisa. "Alguns de nossos chefes fizeram discursos", disse a funcionária de pouco mais de 20 anos, com a condição de não ser identificada pelo temor de represálias.

"Foi muito tedioso. Fiquei apenas por uma hora e a maior parte do tempo estive conversando com minhas colegas. Eu realmente não consigo lembrar o que eles disseram."

Pediram que os participantes escrevessem um resumo sobre tudo o que aprenderam e como isso poderia melhorar seu trabalho, disse ela. "Eu não escrevi nada.

Vou esperar e ver se posso escapar sem ter de escrever. Ninguém levou isso realmente a sério", acrescentou a funcionária.

O Partido Comunista tem se mantido firme no poder diante da violenta mudança social permitindo um rápido crescimento econômico, tirando centenas de milhões de pessoas da pobreza e mantendo um firme controle da política, da religião, de movimentos não-lucrativos e de internet que poderiam ameaçar sua autoridade.

Algumas das maiores dores de cabeça recentes para o partido têm sido as revoltas nas áreas rurais, às vezes violentas. Muitas envolvendo fazendeiros e trabalhadores que se sentem cada vez mais deixados para trás pela crescente brecha entre ricos e pobres.

Em um incidente no mês passado, seis pessoas foram mortas no norte da China quando homens armados atacaram moradores de um vilarejo em protesto pela desapropriação de suas terras para a construção de uma usina de energia.

Li disse estar confiante que o treinamento irá reduzir o número de "incidentes em massa", apesar de a campanha não ser um tratamento para tudo. "Eu tenho de admitir que a possibilidade (de eliminar todos os incidentes) é realmente muito pequena", ele acrescentou.

Outra crescente ameaça para a legitimidade do partido é a corrupção e a percepção pública de que muitos pensam mais em rechear suas contas bancárias do que servir à população de 1,3 bilhão pessoas.

Dada à débil tradição legal do país, muitas importantes decisões envolvendo autorizações, alocação de terras e entrada em mercados privados ainda são tomadas com base em contatos políticos e pessoais em vez de por méritos.

"É possível ficar rico na China sem ser um funcionário do partido", disse anonimamente um diplomata em Pequim. "Mas é difícil ficar rico sem ter estreitas ligações com o partido."

Um antigo membro do partido disse que a corrupção entre altos funcionários é algo controlado, pois o risco de ser descoberto cresceu muito sob a nova liderança.

Mas isso é algo comum entre os níveis mais baixos, já que o risco de punição permanece relativamente baixo, ele acrescentou.

Alguns analistas dizem que atual campanha de educação pode criar um meio conveniente para Hu afastar seus inimigos e consolidar seu poder como presidente.

Li disse que o programa de educação não tem como objetivo expurgar membros, apesar de que 49 mil deles foram desqualificados no ano passado por ofensas não especificadas.

As informações na internet de que mais de 1,9 milhão de membros saíram voluntariamente do partido eram "falsos rumores espalhados por pessoas com segundas intenções", disse ele, em uma aparente referência à seita espiritual Falun Gong, proscrita na China.

Cerca de 2,4 milhão de pessoas, entre elas 894 donos de empresas privadas, entraram para o Partido Comunista no ano passado, disseram funcionários. Isso representa um aumento de 8,2% desde 2003.