Título: Consumidor dá calote seletivo
Autor: Alberto Komatsu
Fonte: O Estado de São Paulo, 11/07/2005, Economia & Negócios, p. B3

O mercado começa a sentir o efeito colateral da expansão do crédito. O aumento na emissão de cheques sem fundo e o recorde de inadimplência nos condomínios em São Paulo indicam comportamento de seletividade no pagamento das despesas. O baixo crescimento do emprego e da renda cria neste momento uma bolha de inadimplência que poderá estrangular o orçamento familiar e frear o aquecimento da economia, dizem economistas ouvidos pelo Estado. A situação fez a Federação do Comércio do Estado de São Paulo (Fecomércio-SP) teve de rever para baixo sua projeção de alta nas vendas do ano de 4,5% para 3%. "O orçamento do brasileiro ficou mais apertado com a alta das tarifas públicas e a conseqüente diminuição da renda real. De outro lado, a liquidez está muito fácil. As pessoas estão rolando financiamentos com prazos mais longos e juros mais baixos, por meio do crédito consignado", diz o economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio (CNC), Carlos Thadeu de Freitas.

Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o IPCA acumula alta de 3,16% no primeiro semestre, e os preços administrados responderam por um terço desse índice, ou 1,05%.

As administradoras imobiliárias sentem o peso do desequilíbrio entre renda e crédito. A taxa de inadimplência dos condomínios em São Paulo é a maior da história: até 20%, ante os tradicionais 7%.

Contribuiu para isso a variação zero do rendimento médio real do brasileiro, na comparação de maio com igual mês de 2004, segundo pesquisa do IBGE em seis regiões metropolitanas, e a expansão acumulada no ano de 41,4% no crédito consignado, segundo o Banco Central.

Vice-presidente de Administração Imobiliária e Condomínio do Sindicato da Habitação de São Paulo (Secovi-SP), Hubert Gebara ressalta que o novo Código Civil, que derrubou em 2003 a multa dos condomínios de 20% para 2%, foi decisivo para a mudança de perfil do endividamento do brasileiro. "A incidência de inadimplente, aquele que paga no decorrer do mês, aumentou muito. Ele está priorizando outras contas", diz.

A inadimplência entre as operadoras de telefonia fixa, por exemplo, está em média em até 3%, incluindo clientes residenciais e corporativos, estima o diretor de Operações Financeiras da Intelig Telecom, André Marques. Segundo ele, a taxa estava maior há alguns anos, mas foi reduzida com ajuda da tecnologia. "Com as regras da Anatel, que determina o corte de serviço com 30 dias de vencimento e colocação do nome na Serasa em 90 dias, o consumidor se sente livre para consumir na concorrência", afirma.

Outro sinal da explosiva fórmula "renda em queda e crédito em expansão" foi o número recorde de cheques devolvidos em junho. Segundo a Equifax, fornecedora de soluções para gestão de negócios, foram 3,3 milhões, ou 570 mil a mais que no mesmo mês do ano passado. É o pior resultado desde 1995, segundo o assessor econômico da empresa, João Batista Pamplona.

"A inadimplência produz um risco muito grande. Com os juros reais em alta, mesmo que o BC mantenha a Selic em 19,75% a oferta de crédito fica mais escassa, o que estrangula o crescimento econômico", diz Pamplona, que também é professor de Economia da PUC-SP.

Se o Banco Central não reduzir o juro básico, o País correrá o risco de estourar a bolha de inadimplência, diz Freitas, ex-diretor do BC. Ainda mais levando-se em conta que a perspectiva é de queda da inflação.

A Fecomércio-SP apurou, em junho, que 52% dos consumidores da Região Metropolitana de São Paulo estavam com as contas atrasadas. É o maior nível desde fevereiro de 2004, quando a pesquisa começou a ser realizada. Segundo o diretor executivo da entidade, Antonio Carlos Borges, os consumidores estão optando pelo parcelamento do cartão de crédito em até seis vezes, provocando um descontrole no orçamento. "É a falsa sensação de que houve pagamento, quando ele só foi jogado para depois", diz. A Fecomércio-RJ informou que em junho, 23,58% das famílias fluminenses estavam com alguma conta em atraso.