Título: O comércio encrencado
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Fonte: O Estado de São Paulo, 10/07/2005, Notas e Informações, p. A3

"Receio que tenhamos de encarar os fatos: essas negociações estão encrencadas", disse em Genebra, na sexta-feira, o diretor-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC), o tailandês Supachai Panitchpakdi. Recém-chegado da Escócia, onde havia assistido à reunião do G-8, ele convocou os diplomatas chefes de delegação para um balanço da Rodada Doha de negociações comerciais e para dirigir-lhes um apelo quase desesperado. É preciso, insistiu, trabalhar com mais empenho para que a conferência ministerial marcada para dezembro, em Hong Kong, seja um sucesso e permita uma rápida conclusão das rodadas. Todos têm compromisso generalizado com o progresso das negociações, disse o diretor-geral, "mas, quando se chega aos detalhes, as conhecidas posições defensivas prevalecem". Na Escócia, contou Supachai, "os líderes deram muita ênfase ao papel vital do comércio para o desenvolvimento, especialmente - mas não de forma exclusiva - no caso da África". "É disso que trata a Rodada Doha", acrescentou, "e é isso que pretendemos estar fazendo neste momento."

Supachai poderia lamuriar-se muito mais se entrasse nos detalhes da reunião na Escócia. Em Gleneagles, onde se reuniram os governantes do G-8 e alguns convidados, incluído o presidente brasileiro, ficou claro mais uma vez que o mundo rico resistirá quanto puder à liberalização do comércio agrícola. O presidente dos Estados Unidos, George Bush, fez uma proposta ousada na aparência, convidando os europeus a eliminar até 2010 os subsídios à agricultura. É difícil imaginar que ele esperasse uma resposta positiva dos europeus.

O comissário de Comércio da União Européia, Peter Mandelson, disse que era tempo de cuidar mais seriamente de um acordo sobre os temas de Doha. Sua porta-voz, no entanto, descreveu a posição dos europeus com maior precisão, afirmando que seria pouco realista prever para 2010 a extinção dos subsídios. O ministro da Agricultura da França, Dominique Bussereau, foi ainda mais direto e defendeu a atual política agrícola do bloco. O balanço é fácil: se os europeus não se mexem, os americanos também não.

O governo britânico, uma exceção na Europa, vem defendendo há anos a eliminação dos subsídios à agricultura, que devoram 40% do orçamento comunitário. O primeiro-ministro britânico, Tony Blair, tocou no assunto em mais de uma ocasião e deu-lhe algum destaque ao resumir, no final do encontro, as discussões dos vários temas. Os líderes do G-8, segundo ele, concordaram em redobrar os esforços para concluir a rodada no próximo ano.

"Reafirmamos", acrescentou, "o compromisso de abrir os mercados mais amplamente ao comércio de bens agrícolas e industriais e serviços." No caso da agricultura, os governantes concordaram, de acordo com Blair, em reduzir os subsídios internos que distorcem o comércio e eliminar todas as formas de subsídios à exportação "numa data crível".

Refletindo a posição da maior parte de seus colegas, o primeiro-ministro britânico evitou, portanto, mencionar qualquer compromisso bem definido quanto a prazos.

Este é um dos pontos que têm complicado as negociações entre os que defendem uma grande reforma do comércio agrícola, como o Brasil, e os que tentam manter as distorções.

No comunicado final assinado pelos oito chefes de governo, há apenas uma vaga menção à Rodada Doha, no final do longo tópico dedicado aos planos de socorro à África.

Na próxima semana, ministros de alguns países desenvolvidos e em desenvolvimento com maior peso na economia internacional vão reunir-se informalmente na China, perto de Pequim. Farão um balanço da rodada, discutirão as principais dificuldades e tentarão dar um impulso mais forte às negociações. Sem esse esforço especial, neste momento, dificilmente será possível, nos meses seguintes, criar as bases para algum entendimento em dezembro. Se der tudo certo, os ministros poderão em Hong Kong, no fim do ano, definir os passos finais para um grande acordo em 2006. Por enquanto, o comentário mais preciso é o de Supachai. As negociações estão de fato encrencadas. Talvez uma boa novidade surja nos próximos dias, na China.