Título: 'O BC acha que crescer acima de 3% é passar o sinal'
Autor: Suely Caldas e Fernando Dantas
Fonte: O Estado de São Paulo, 11/07/2005, Economia & Negócios, p. B5

Para Antônio Barros de Castro, diretor responsável pela área de Planejamento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), a política econômica brasileira vive uma "contradição permanente". De um lado, há medidas de estímulo ao crescimento, como a desoneração dos investimentos, a lei de Inovação, a lei de Falências e iniciativas do BNDES, como a redução de spreads e dos juros do Modermaq. Do outro, na sua visão, parte da equipe econômica, e especialmente o Banco Central (BC), acha que crescer além de 3% a 3,5% é "passar o sinal vermelho, ultrapassar o crescimento inflacionariamente neutro". Pesquisando os números do BNDES, Barros de Castro constatou que os desembolsos do Finame, para financiamento a máquinas e equipamentos, excluindo transporte e setor agrícola, cresceram 126% de janeiro a maio, na comparação com o mesmo período de 2004. Em termos reais, o aumento foi de 92,4%. Para ele, isto mostra o grande apetite do empresário brasileiro em trocar máquinas, melhorando produtos, flexibilizando processos e ampliando um pouco a produção. O investimento em novas fábricas, porém, não acontece, porque eles sabem que estariam "colocando o pescoço debaixo da espada, já que o BC vai cortar a demanda quando ela melhorar". A seguir, trechos da entrevista:

DÉFICIT ZERO

Há uma visão de que a economia brasileira está permanentemente no limiar da alta inflação, talvez mesmo a caminho da hiperinflação, dado que qualquer sintoma de um recrudescimento inflacionário é visto como séria ameaça a ser respondida com severas medidas macroeconômicas. O déficit nominal zero pode ser encarado como uma tentativa de liberar a taxa de crescimento brasileira, com a idéia de que se pode crescer a qualquer taxa desde que mantido o equilíbrio fiscal.

ORTODOXIA

Políticas macroeconômicas severas, particularmente na parte fiscal, são comuns tanto na Coréia e China quanto em países que vegetam décadas na estagnação, como Portugal de Salazar. Sempre fui a favor do rigor fiscal, e contra o "pau na máquina". Mas isto só não basta.

PISO DE CRESCIMENTO

A rapidez do progresso técnico e o avanço do conhecimento na atualidade, quando unidos a um ambiente estável, e a uma classe empresarial agressiva, permitem facilmente crescer 2%, 3% ao ano somente com aprendizado e pequenas mudanças nas fábricas - quero dizer, sem maiores investimentos. Se isto é verdade, as políticas macroeconômicas prudentes não acompanhadas de outras políticas correm o risco de prender as economias neste piso do crescimento, que reflete apenas o progresso tecnológico internacional sendo lentamente difundido pelo mundo.

POTENCIAL DE CRESCIMENTO

Vivemos num mundo em que os países que não estão na fronteira podem crescer muito rapidamente: Irlanda e Finlândia na Europa, e os culpados de sempre na Ásia, como China e Índia. Estes países têm em comum não guiar-se pelo crescimento médio do passado, pelo que se pode crescer apenas com política macroeconômica ajuizada, mas sim pela absorção rápida de novas soluções.

POTENCIAL BRASILEIRO

O crescimento vem sendo cada vez mais apoiado por medidas de política econômica que começam no final do segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso, e prosseguem na atual administração. Os exemplos são o Modermaq, a vedete dos programas do BNDES, reforçado pela atual administração com uma redução de um ponto porcentual na taxa de juros; a desoneração do investimento, a lei de Inovação, a lei de Falências. Estas iniciativas estão desinibindo o investimento.

CONTRADIÇÕES

Há uma espécie de contradição permanente alojada no âmago da política econômica brasileira. O potencial de crescimento suposto por uma parte do aparelho de política econômica é de 3%, 3,5%, mas isto em boa medida é alcançado com retoques, racionalizações, aprendizado e pequenos investimentos por parte das empresas. Se além disto, o investimento é estimulado de múltiplas maneiras, o crescimento tende a ultrapassar o nível de 3% a 3,5%.

FINAME E BENS DE CAPITAL

De janeiro a maio de 2005, em relação ao mesmo período de 2004, os desembolsos do Finame aumentaram 29%. Se retirar agricultura e transporte, ficando com os chamados bens de capital sem rodas, o salto é de 126%, uma violência. A vantagem de isolar o esse setor é que coloca-se em evidência a troca de máquinas e equipamentos que acarreta alguma ampliação de capacidade, melhoria de produtos e flexibilização de processos, e outros avanços onde o empresário disputa espaço. Descontando a alta do preços de máquinas e equipamentos, ainda ficamos com um número chocante de expansão de 92,4%. E se tirar o Modermaq, que é novo e pode ter deslocado outras formas de financiamento, o número é de 44%.

INVESTIMENTO

A indústria não está investindo em plantas (fábricas). Em última análise para que precisa investir em plantas, se meramente absorvendo técnicas e conhecimento ela já tem o suficiente para dar conta do crescimento? Nessa economia, os empresários são submetidos ao medo do capital fixo: como não vão deixar a economia dar margem ao seu fôlego, é melhor ficar com a fábrica como ela é, introduzindo melhorias, etc. Fazer capital fixo com esta taxa de juros, com este custo de oportunidade do capital e sabendo que estará colocando o pescoço debaixo da espada, porque vão cortar a demanda quando ela realmente melhorar, não vale a pena.

BANCO CENTRAL

Qualquer 1% a mais de inflação, ainda que obviamente explicado por preços administrados e uma indexação equivocada destes preços, ou por uma pressão decorrente do ímpeto expansivo chinês, é tratado como se fosse o análogo de pressão de demanda. O maior problema deles é não distinguir as origens. Vamos saber se isto não é resultado de um choque, de um preço administrado, porque se for tende a se diluir. Eu não acho que estamos na borda do precipício inflacionário, porque a economia não está indexada, porque os trabalhadores competem entre si, porque as empresas competem entre si, porque a economia está aberta.