Título: Justiça restaurativa
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 10/07/2005, Notas e Informações, p. A3

Assim como vem ocorrendo no Canadá, Inglaterra, Austrália, África do Sul e Argentina, o Judiciário brasileiro decidiu realizar experiências com o objetivo de introduzir no País o conceito de "justiça restaurativa" em processos criminais que envolvem jovens e adolescentes ou maiores de 18 anos com baixo grau de periculosidade. A idéia é promover uma negociação entre os infratores, suas vítimas e os líderes da comunidade onde vivem, a fim de que estes reparem os danos que causaram com seus delitos e possam retomar o convívio social sem sofrer privação da liberdade. As reuniões são mediadas por professores, assistentes sociais e psicólogos e os juízes não têm participação direta nelas.

Com apoio financeiro e logístico do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) e do Ministério da Justiça, há três projetos piloto já em fase de implementação. Dois estão sendo desenvolvidos pelas varas de infância e juventude em São Caetano, na região do ABC, e em Porto Alegre, e contam com a colaboração do Ministério Público e da rede pública de ensino básico e superior. A terceira experiência, a única que envolve adultos, vem sendo realizada no Núcleo Bandeirante, uma cidade-satélite do Distrito Federal.

Inspirada nas formas de solução de conflitos dos aborígines maoris, a "justiça restaurativa" foi concebida há dez anos pela Nova Zelândia, com o objetivo de reduzir as taxas de reincidência entre os infratores ou criminosos juvenis, levando os menores e os adolescentes a assumir a responsabilidade por seu comportamento anti-social, a compreender as conseqüências materiais e psicológicas de seus delitos para suas vítimas e a se comprometer a reparar os danos a elas causados. Por isso, como o objetivo é substituir a idéia de castigo pela conscientização, o rigor processual e o formalismo jurídico dão lugar ao diálogo e à mediação, de tal modo que a condução do caso acaba ficando a cargo de especialistas sem formação em direito.

Os resultados alcançados na Nova Zelândia foram tão positivos que, desde 2002, a Organização das Nações Unidas (ONU) e o Centro de Estudos de Justiça das Américas (Ceja), um órgão vinculado à Cepal e financiado pelo BID, vêm estimulando outros países a adotar a idéia. Além de reduzir o número de jovens infratores internados em unidades pseudo-assistenciais, que não os preparam para a reinserção social e atuam como verdadeiras escolas de violência e crime, como é o caso das desmoralizadas Febens, a "justiça restaurativa" busca o fortalecimento do espírito comunitário, tendo em vista melhorar as condições de convívio na comunidade, onde vítimas e infratores se inserem.

Deste modo, em vez de se limitar a olhar para o passado, como faz a Justiça criminal convencional, punindo crimes já ocorridos num determinado bairro ou região, a "justiça restaurativa" olha para o futuro, procurando evitar a ocorrência de novos delitos na área. As vítimas podem expressar seus sentimentos e ser ouvidas em sua dor e assistidas nas suas necessidades de ressarcimento dos danos infligidos, participando assim ativamente na definição de uma solução para o conflito. As famílias, os amigos e os professores dos menores e adolescentes transgressores também podem atuar, tornando-se co-responsáveis pelo cumprimento do que for pactuado pelas duas partes. Com isso, os infratores não ficam estigmatizados e a comunidade ganha coesão.

A eficácia desse modelo de justiça, como se vê, depende da colaboração entre o universo jurídico e o sistema educacional. "Essa ponte é fundamental para o sucesso dessa experiência", afirma o juiz Eduardo Melo, responsável pelo importante projeto piloto de São Caetano, que conta com o apoio de quatro colégios públicos, e vice-presidente da Associação Brasileira de Magistrados e Promotores da Infância e da Juventude (ABMP). A "justiça restaurativa" não é solução milagrosa para a crise das Febens nem um modelo alternativo à Justiça criminal. É apenas um mecanismo judicial complementar, cujas formas de funcionamento ainda precisam ser testadas, com as devidas cautelas do Estado de Direito.