Título: ENTREVISTA - Paulo Lacerda, diretor-geral da Polícia Federal - 'Não aprendemos com o caso PC'
Autor: Vasconcelo Quadros Fausto Macedo
Fonte: O Estado de São Paulo, 10/07/2005, Nacional, p. A9

Lacerda diz que ninguém será poupado nas investigações sobre corrupção e 'não há como os fatos serem jogados debaixo do tapete'

BRASÍLIA - Preocupado em garantir que as investigações alcancem todos os responsáveis por atos de corrupção no governo, o diretor-geral da Polícia Federal, Paulo Lacerda, avisa que ninguém será poupado, mesmo que os suspeitos sejam da cúpula do PT, o partido do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. "Não nos interessa se pertence a este ou àquele partido. Isso é irrelevante. Nossa única limitação é a legalidade. A Polícia Federal nunca foi e não será instrumento. Não temos receio de nenhum partido político", diz Lacerda, em entrevista exclusiva ao Estado. Primeiro delegado a investigar e indiciar criminalmente um presidente - Fernando Collor, em 1993 -, Lacerda está mais uma vez no olho do furacão político e lamenta que o País não tenha aprendido a combater a corrupção com o caso PC Farias. Ele diz que o publicitário Marcos Valério Fernandes de Souza não pode ter cometido crime sozinho e afirma que a polícia vai atrás dos outros supostos envolvidos.

"Podem ter certeza, tudo será apurado", garante Lacerda. O diretor-geral da PF defende o financiamento público para as campanhas eleitorais como instrumento eficaz na redução da roubalheira: "Quem faz uma doação privada vai cobrar na licitação", argumenta. A seguir, a entrevista:

Que mecanismos podem permitir que se previna a corrupção no governo?

Os fatos de agora estão relacionados a duas questões: o crime organizado, que a Polícia Federal vem combatendo de uma maneira bem intensa, e a corrupção política. Acho que só uma reforma política muito forte, que inclua o financiamento público de campanha, resolverá a questão. Sou inteiramente a favor da reforma política, mas com uma legislação dura, que diga que o particular que der dinheiro para a campanha eleitoral e o beneficiário devam ser condenados por crime eleitoral grave e presos. O que se sabe hoje é que alguns envolvidos perdem o mandato, mas não conheço ninguém que tenha sido condenado e preso por crime eleitoral. Minha posição é diferente do que anda dizendo o deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ). Ele fala que, se não tem dinheiro para o velhinho da Previdência ou para questões básicas da população, não pode botar dinheiro público em campanhas. Posso até imaginar as razões dele. Tenho certeza absoluta, depois de tanto tempo trabalhando em investigação, de que esse é o grande mal e de que o País economizaria muito. Quem doa para campanha cobra depois numa licitação ou de alguma outra maneira. É cultural. No caso do Paulo César Farias (que foi tesoureiro de campanha de Collor) havia um grande ensinamento sobre isso, mas não aprendemos.

O presidente licenciado do PTB, deputado Roberto Jefferson (RJ) afirmou que o esquema PC Farias é um pinto perto do esquema do mensalão. Isso tem fundamento?

Sobre o caso PC Farias posso falar porque trabalhei nele e fiquei horrorizado com o que vi. Aquilo (a corrupção) estava em praticamente todos os ministérios. Virou um monopólio da corrupção. Esse caso de agora está em fase de apuração. Não podemos nos antecipar. Estamos vendo algumas coisas tristes, mas ainda temos de investigar.

O que mais impressiona o senhor nas denúncias que tem sido feitas por Jefferson?

De tudo o que o deputado Roberto Jefferson fala, a grande novidade é que ele também se auto-incrimina. Nesses casos normalmente a pessoa envolvida oculta a sua participação. Ele se está auto-incriminando. Precisamos investigar e ver o tamanho do problema.

Que diferença o sr. vê entre as acusações de corrupção nos Correios e do mensalão e o caso PC Farias?

Até agora o que eu vi é a questão da campanha. No caso PC Farias, tinha uma coisa diferente. Eles usavam duas maneiras de agir. Uma era buscar os empresários com o famoso pedido de dinheiro para caixa de campanha eleitoral. O outro era simplesmente extorquir os empresários de forma continuada. O que a gente está vendo agora são pedidos para campanhas e algumas alegações de possível envolvimento de órgãos públicos facilitando.

A Polícia Federal vai pedir a quebra do sigilo bancário do PT?

Uma coisa de que fazemos questão é de não partidarizar. Quem apura atos de partido é a Justiça Eleitoral. Se a Justiça Eleitoral entender que existe alguma questão afeta a algum partido, vai requisitar que a PF apure. Nós apuramos fatos criminosos, independentemente de qual seja o partido. Isso não é relevante para nós.

O ex-presidente nacional do PT, José Genoino, e o deputado Professor Luizinho (PT-SP) criticaram a PF pela ação na Caixa Econômica Federal. A polícia tem medo do PT?

Não temos receio de partido nenhum. A polícia respeita, mas não temos relação com partidos, nem de temor reverencial nem de vínculos partidários. Nós nos preocupamos é com uma apuração isenta, que não se deixe levar por interesses partidários.

A Polícia Federal não teme servir de instrumento?

A Polícia Federal nunca foi instrumento. É muito importante dizer algo de absoluta justiça: desde que assumi a direção-geral, nunca sofri pressão nenhuma. O ministro da Justiça (Márcio Thomaz Bastos) nos dá total apoio. Não tenho contato com o presidente da República, mas as manifestações que vejo sempre são de que se apure o que deve ser apurado. Se deixamos de fazer alguma coisa, foi por incompetência ou por alguma falha humana, não porque alguém nos impediu.

Como lidar com os casos envolvendo pessoas importantes?

Tudo que disser respeito a um fato ilícito, criminal, será apurado. Podem ter certeza: tudo será investigado. Não há como esses fatos serem jogados para debaixo do tapete.

O publicitário Marcos Valério Fernandes de Souza é o foco das investigações da Polícia Federal neste momento?

Não apuramos pessoa específica, mas o fato criminoso. O Marcos Valério não pode ter cometido crime sozinho. Se Marcos Valério cometeu, quem esteve com ele será objeto da apuração e das medidas cabíveis, seja quem for. Não nos interessa se pertence a esse ou àquele partido. A única limitação é a legalidade. Não vamos agir de maneira açodada, que possa criar implicações legais sobre o trabalho.

O agravamento da crise política o preocupa?

Não olho o quadro político como algo que possa nos atingir. Procuro ver se estamos no caminho certo. Mas é lógico que, como todo brasileiro, torço para que fique tudo esclarecido e que as instituições funcionem e cumpram suas obrigações.

A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) tem criticado as operações da PF em escritórios de advogados. Há excessos em algumas dessas operações?

Quando há reclamações, temos solicitado que aqueles que se sentem vítimas entrem com representação na Polícia Federal, apontando qual foi o ato ilícito, quem praticou e quando praticou. Não temos interesse em acobertar ilegalidade. Entretanto, com acusações genéricas não podemos saber o que está acontecendo. A Ordem dos Advogados do Brasil tem um alto sentido de corporativismo. Ela há de compreender que é possível que entre os próprios advogados existam também aqueles que precisam ser alvo da investigação dos órgãos competentes e mesmo da própria OAB.

As reclamações da OAB podem provocar mudanças no estilo das operações da PF?

Acho que não. Isso tudo é positivo. Vivemos num estado democrático e temos de ouvir as reclamações. Elas já levaram o Ministério da Justiça a adotar uma portaria recomendando parâmetros para esse tipo de operação. Isso tudo nos dá oportunidade de autocontrole e de verificar se estamos cometendo algum excesso.

Com a portaria, o que muda nas operações de busca e apreensão da Polícia Federal nos escritórios dos advogados?

A intenção é apreender apenas o que está vinculado à apuração que originou o pedido de busca no escritório. As vezes não há como o policial verificar no local o que é pertinente. Por isso os equipamentos têm sido levados. Na nova portaria, a orientação é que sempre que possível se extraia apenas cópia dos arquivos.

A comunicação à OAB muda?

A comunicação à OAB está recomendada na portaria. Quando a entidade não apresentar advogado para acompanhar a operação, será consignado.

A que o senhor atribui as reações contrárias da OAB?

São proporcionais à importância econômica e patrimonial dos clientes. A Ordem dos Advogados do Brasil tem falado muito em sensacionalismo e pirotecnia quando as pessoas aparecem na mídia e argumenta que isso constituiria abuso. Acho que tanto quanto possível a exposição pública deve ser evitada. Mas não vejo essa mesma preocupação quando os presos não são empresários ou pessoas importantes.

Como o senhor responde às críticas ao instrumento da prisão temporária?

É um instrumento que está na lei e serve para a realizar a investigação em toda a sua plenitude. Se a temporária não for usada nesses casos, eu quero que os que criticam me digam para o que ela serve. Se não for boa, que o Congresso revogue, modifique e coloque outro dispositivo. A polícia deve utilizar todos os instrumentos legalmente permitidos.