Título: Valério ressuscita caso Banestado
Autor: Sérgio Gobetti
Fonte: O Estado de São Paulo, 10/07/2005, Nacional, p. A12

Publicitário tem ligações com Banco Rural e doleiros envolvidos em evasão de divisas investigados por CPI já encerrada

BRASÍLIA - A teia de relações que liga o publicitário Marcos Valério Fernandes de Souza à cúpula do PT vai muito além da mera suspeita de montagem de um esquema para compra do passe e do voto de parlamentares no Congresso e pode acabar levando a CPI dos Correios às portas de outra CPI já encerrada, a do Banestado, que apurou o caminho pelo qual US$ 30 bilhões saíram ilegalmente do País. À medida que os parlamentares aprofundam as investigações e colhem novos depoimentos, surgem indícios de que o "homem da mala" era um importante mediador dos interesses da burocracia petista com os do submundo empresarial e político. Em apenas uma semana, os petistas que viam Valério apenas como um "bom amigo" do ex-tesoureiro Delúbio Soares, descobriram que ele era muito mais do que isso. Além de avalista de empréstimos bancários do PT, o publicitário mantinha uma relação íntima com banqueiros do Banco Rural, os quais representou até mesmo em reuniões no Banco Central, e com doleiros envolvidos em denúncias de evasão de divisas. Um deles, Haroldo Biscalho e Silva, preso no ano passado pela Polícia Federal, era um dos controladores de uma subconta da Beacon Hill no JP Morgan de Nova York, por onde transitava dinheiro sujo.

O próprio publicitário, segundo a Receita Federal, usou essa "conta" para enviar ao menos US$ 345 mil da de sua agência SMPB ao exterior. A CPI dos Correios também localizou remessa suspeita de US$ 220 mil da outra empresa de Valério, a DNA.

O Banco Rural, por sua vez, utilizava para esse tipo de transação uma empresa offshore nas Ilhas Cayman, a Trade Link Bank, aberta na década de 80 pelo próprio fundador do banco, Sabino Corrêa Rabello, e seu sobrinho, Guilherme Rocha Rabello. Essa offshore tinha conta na famosa agência do Banestado de Nova York, que emprestou seu nome à CPI que investigou o uso das chamadas contas CC5 para a drenagem de bilhões de dólares para destinos misteriosos no exterior.

Em 2003, o relator da CPI do Banestado, deputado José Mentor (PT-SP), chegou a determinar uma série de medidas, como a quebra de sigilos bancários, para apurar a participação do Rural nesse esquema. Os dados reunidos pela CPI, que foram parar no Ministério Público, mostram uma movimentação milionária entre as contas da Trade e das empresas do Sistema Financeiro Rural, por meio do Banestado. Mas Mentor decidiu não escrever uma só linha sobre esse caso em seu relatório final, apresentado em dezembro passado.

Nesta semana, a secretária Fernanda Karina Somaggio, que trabalhou com Marcos Valério na SMPB, revelou que o publicitário se reuniu várias vezes com Mentor em Brasília e que, após um telefonema entre os dois, foi orientada a destruir 25 pastas em que ele guardava notas fiscais e de investimento. O deputado petista nega a versão e atribui seus encontros com Valério a assuntos de campanha eleitoral.

Também no final do ano passado, em 22 de novembro, segundo dados obtidos pelo Estado, os diretores do Banco Rural (entre eles Guilherme Rocha Rabello) tiveram um processo contra eles arquivado pelo Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional, o chamado Conselhinho. Em 2003, o mesmo Rabello já havia conseguido que o Conselhinho revisse uma decisão de 1.ª instância que lhe afastava da direção do banco por um ano. Detalhe: um dos procuradores da Fazenda que acompanhava os processos, Glênio Guedes, tinha suas contas pagas e recebia pagamentos de Marcos Valério.

Essas coincidências estão recolocando os parlamentares no rastro das histórias mal esclarecidas da CPI do Banestado. Mas a movimentação no exterior não é a única fonte de investigação que pode trazer luz ao esquema de tráfico de influência exercido por Marcos Valério.

De acordo com o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), existem cerca de R$ 500 milhões que entraram nas contas da DNA cuja origem é desconhecida. Os parlamentares suspeitam que o publicitário usasse suas empresas para intermediar negociações de bancos privados e de outros empresários com a cúpula petista e o próprio governo.

Os dados que a CPI dos Correios ainda receberá, como documentos provenientes da quebra dos sigilos, poderá ajudar a reunir as peças desse quebra-cabeça.