Título: Há uma base, mas acordo está difícil
Autor: Jamil Chade
Fonte: O Estado de São Paulo, 13/07/2005, Economia & Negócios, p. B6

Países concordam com tarifas menores para produtos agrícolas defendidos pelo G-20, só que ninguém sabe como cortá-las

DALIAN, CHINA - Apressados para mostrar resultados concretos nas negociações da Organização Mundial do Comercio (OMC), os principais ministros terminaram o primeiro debate ontem em Dalian sobre a liberalização dos mercados agrícolas com anúncios de que haviam obtido uma base para fazer avançar as negociações. Ela seria a proposta de cortes de tarifas agrícolas apresentada pelo G-20, grupo liderado pelo Brasil, Índia e China. Mas em meio a um jogo de palavras bem calculadas, a realidade das negociações ainda revela um cenário de incerteza. A situação chega à aparente contradição de ver os Estados Unidos atacar a falta de ambição no corte de tarifas de produtos agrícolas proposto ontem pelo G-20, grupo que seria o principal interessado na liberalização do setor.

O diretor-geral da OMC, Supachai Panitchpakdi, saiu do primeiro dia decepcionado e pessimista com o comportamento dos ministros, em constraste com o entusiasmo que queriam demonstrar os americanos e europeus. Para Supachai, os políticos não trataram de detalhes e ninguém saberia como fazer para avançar agora.

"A boa notícia e que queremos avançar. A má notícia e que não sabemos como fazer isso", disse o ministro do Comércio da Índia, Kamal Nath. Segundo um dos negociadores brasileiros, Clodoaldo Hugueney, não há nenhuma proposta na mesa que já tenha consenso.

Pelo projeto do G-20, as tarifas de importação de produtos agrícolas são separadas em níveis e os países ricos são obrigados a fazer cortes mais profundos que os emergentes em suas taxas. Com isso, o bloco conseguiu encontrar um meio termo entre as idéias antagonistas de abertura dos americanos e os protecionistas europeus.

Mas ao se tornar esse meio termo, isso não quer dizer que o conteúdo do novo documento do G-20 seja motivo de um consenso. Os japoneses, com tarifas de ate 700% para o arroz, deixaram claro que não aceitam estabelecer uma tarifa máxima de 100% para todos os produtos. Canadá e Austrália também prometeram apresentar alternativas.

O representante de Comércio da Casa Branca, Rob Portman, reconheceu que a proposta do G-20 contribui para os debates e que será uma base para o diálogo. Mas deixou claro que quer ver cortes mais agressivos nas barreiras impostas ao comércio. Para os americanos, os países emergentes também terão de abrir seus mercados, ainda que Kamal Nath tente explicar que países como o seu precisam ainda proteger seus agricultores para que não haja um caos social.

O ministro do Comércio do Canadá, Jim Peterson, também diz que a fórmula do G-20 permite distorções no comércio internacional.

Já a comissária de Agricultura da UE, Marianne Fischer Boel, elogiou a proposta do G-20, mas diz que o bloco não pode aceitá-la como está e que precisa de maiores flexibilidades para o corte de suas tarifas. O representante americano chegou a dizer que fez "uma grande concessão" em aceitar considerar a proposta do G-20.

Quem parece ter ficado satisfeito com todos os comentários foi o chanceler Celso Amorim, que falou em nome do G-20. Para o ministro, o bloco provou que "pode não ser protagonista, mas ter uma posição de liderança".

Essa liderança pode ter seu preço. Na prática, a proposta do G-20 será uma das bases para reunião das próximas semanas em Genebra. Mas os países ricos vão cobrar por isso. Mandelson já alertou ontem que deve pedir dos grandes países emergentes, como o Brasil, mais flexibilidade nas posições defensivas do País em relação a abertura do mercado para bens industriais e serviços.