Título: Misturada
Autor: Celso Ming
Fonte: O Estado de São Paulo, 13/07/2005, Economia & Negócios, p. B2

Capacidade de discernimento é qualidade humana que indica amadurecimento. Para o recém-nascido, a vida é um borrão, o rosto da mãe não passa de mancha confusa e só aos poucos vai distinguindo traços e formas. Talvez esta crise em que está mergulhado o PT possa, um dia, ser identificada como ponto de mudança na sua capacidade de percepção e de reação a situações adversas. A confusão reinante indica que o PT não passa de político recém-nascido.

Sexta-feira esta coluna tratou de uma dessas confusões: a ideológica. Tudo se passa como se a visão do mundo de certos dirigentes do PT ainda estivesse permeada pela luta de classes, o que justificaria a "expropriação de recursos da burguesia", não em proveito pessoal, mas em nome da "causa". E isso demonstra que esses dirigentes não incorporaram os valores republicados à sua ética.

Mas há mais confusões que explicam em parte o jogo dúbio, tantas atitudes tortuosas e tanta paralisia.

Uma dessas confusões permeia as noções de governo e Estado. Ainda na fase de transição, dirigentes do PT já se queixavam das agências reguladoras. Depois de empossado, o miolo do poder central identificou nelas núcleos de resistência ao governo federal.

Em fevereiro de 2003, o presidente Lula queixou-se a líderes da base aliada de que exerciam poder paralelo: "Terceirizaram o poder político do Brasil", reclamou. "Dolarizaram o aço e o preço dos combustíveis e fico sabendo dos aumentos das tarifas de telefone e energia apenas pelos jornais." O líder do governo no Senado, Aloizio Mercadante, repetia que as agências não passavam de redutos do governo anterior, que atrapalhavam a administração Lula.

Foi difícil convencer o presidente Lula e alguns ministros de que a Agência Nacional do Petróleo (ANP), a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) têm função de Estado (e não de governo), que é a de fiscalizar e acompanhar o funcionamento dos organismos públicos ou privados, cada um em sua área, e que por isso precisam de autonomia, como ocorre com o Ministério Público.

Autonomia administrativa é a mesma prerrogativa que se pede para o Banco Central (também instituição reguladora do Estado e não do governo), para que possa ser eficaz na defesa da moeda, um dos mais importantes patrimônios da sociedade. Mas o pensamento predominante no PT ainda é de que o Banco Central tem de ser instrumento do governo e suas determinações devem ser controladas diretamente pelo Executivo e não por profissionais que devessem satisfação de suas ações apenas para a sociedade.

Outra mistura é a que prevalece entre governo e partido no poder. O PT não achou nada demais aparelhar as repartições do Estado. E o presidente Lula não achou nada demais deslocar três ministros de Estado para assumir a direção do PT, como se a recomposição do seu partido fosse mais importante do que seu governo.

Na sua primeira declaração como presidente do PT, o ex-ministro Tarso Genro garantiu que iria monitorar os ministros do governo Lula e enquadrá-los às determinações do programa partidário, como se devessem obediência ao partido e não ao presidente. É óbvio que Genro não fala apenas por si. Reflete a mentalidade arraigada no PT, de que governo não deve passar de braço do partido.

Se a capacidade de discernimento indica amadurecimento, como ficou dito, essas confusões refletem a visão infantil que esses dirigentes do PT têm do exercício do poder.

As crises podem ser excelente oportunidade para crescimento. Falta saber se o governo Lula e os petistas saberão aproveitá-las.