Título: Só dúvidas no acordo com Abbott
Autor: Lígia Formenti
Fonte: O Estado de São Paulo, 12/07/2005, Vida&, p. A18

BRASÍLIA - O fim da negociação entre governo e laboratório Abbott sobre o anti-retroviral Kaletra provocou decepção entre organizações não-governamentais e, sobretudo, uma avalanche de dúvidas. O acordo, anunciado na noite de sexta-feira pelo ministério e que evitou a quebra de patente do remédio, teve alguns de seus itens contestados pelo próprio laboratório fabricante. Até o início da noite de ontem o ministério não havia enviado um prometido esclarecimento. As dúvidas e indignação podiam ser vistas no próprio ministério. Ontem mesmo já havia um movimento para tentar convencer o novo ministro, Saraiva Felipe, a rever o acordo. O representante da campanha de acesso à medicamentos essenciais da organização Médicos Sem Fronteiras, Michel Lotrowska, não escondeu sua decepção com o desfecho da negociação. "Seria uma mudança de paradigma", afirmou. "Há decepção, mas sobretudo gostaríamos de ter mais detalhes sobre essa negociação", afirmou. Ele lembrou que, semana passada, o então ministro da Saúde, Humberto Costa, havia dito que a oferta do laboratório não era interessante para o País. A proposta prevê o congelamento dos gastos com a aquisição do Kaletra, um dos mais caros medicamentos usados no tratamento de pacientes com aids. Na ocasião, o ministro havia observado que o aumento anual de pacientes era de cerca de 2 mil pessoas. "Mas pelas projeções feitas pela nota divulgada sexta pelo ministério, há indicações de que o aumento de pacientes seria de 5 a 6 mil. Os números não batem", afirmou Lotrowska. Para ele, somente será possível avaliar se o acordo traz vantagens para o País se ele for divulgado amplamente.

Para o presidente do Grupo pela Vidda do Rio, Willian Amaral, o Brasil portou-se como "um tigre sem dentes" - mesma expressão usada numa carta assinada por ONGs nacionais e internacionais no início do ano, em que se pedia a licença compulsória de medicamentos da aids. Na carta, ONGs lembravam que o País assumia uma posição de liderança em organismos internacionais mas que, no momento de colocar as teses em prática, acabava hesitando.

O acordo entre o governo brasileiro e a Abbott surpreendeu até mesmo o grupo de temático do Programa de Aids das Nações Unidas (GT/Unaids) no Brasil. Num comunicado, o grupo afirma ser solidário ao País, numa clara referência a eventual quebra de patentes. O comunicado, que não foi assinado por agências norte-americanas, dizia que a flexibilidade era prevista em tratados internacionais e salientava a importância de o governo brasileiro manter a sustentabilidade do programa de aids.