Título: Sobra dinheiro para casa própria
Autor: Marcelo Rehder
Fonte: O Estado de São Paulo, 14/07/2005, Economia & Negócios, p. B1

Está sobrando dinheiro para financiar a compra da casa própria na Caixa Econômica Federal. Responsável por boa parte da oferta de crédito imobiliário, o banco oficial emprestou menos de 30% dos recursos que tem para essas linhas de crédito. Até o final de junho, foram usados apenas R$ 2,9 bilhões dos R$ 10,9 bilhões previstos no orçamento deste ano. Restam ainda R$ 8 bilhões para o segundo semestre. No ano passado, já tinham sobrado mais de R$ 2 bilhões. "A Caixa está experimentando do seu próprio veneno", diz João Carlos Robusti, presidente do Sindicato da Construção Civil do Estado de São Paulo (Sinduscon-SP).

No caso, o veneno seria o excesso de burocracia e exigências para a liberação do crédito "porque um ou outro adquirente ou empresa teve algum problema, a Caixa nivelou tudo por baixo, e todo mundo passou a ser igual. Ou seja, para se proteger, ela passou a exigir o melhor, mas a média acaba não conseguindo atender a essas exigências".

A Caixa reconhece a necessidade de facilitar o processo de concessão de crédito e já tomou medidas nessa direção. "Estamos trabalhando para tornar viável a liberação da totalidade dos recursos previstos no orçamento deste ano", afirma Anecir Scherre, consultor-técnico da vice-presidência de Deesenvolvimento Urbano da Caixa.

MUDANÇAS

As novidades incluem a simplificação das entrevistas de crédito feitas para avaliar o perfil do mutuário, em que foram mantidas apenas perguntas sobre dados que não precisam ser comprovados.

Antes, o interessado tinha que ir a uma agência da Caixa, preencher algumas fichas e ficar esperando durante dias para saber se o empréstimo havia sido autorizado. Agora, a resposta é imediata.

Outra mudança é referente a candidatos cujo nome está incluído como inadimplente nos serviços de proteção ao crédito, um dos motivos para não ter o financiamento aprovado. Agora, é possível receber a aprovação condicional nesses casos. O crédito é pré-aprovado, mas o dinheiro só é liberado quando o cliente quitar as dívidas e comprovar que resolveu as pendências.

"Estamos fazendo também um aprimoramento do modelo de análise de risco de construtoras, pensando na produção, mas ainda não está concluído", adianta o consultor da Caixa Econômica Federal.

Na avaliação de João Crestana, diretor de Incorporação do Sindicato da Habitação (Secovi) de São Paulo, há outros problemas, além do excesso de burocracia: "O bolso do mutuário está curto para o tamanho da prestação da casa própria".

Segundo ele, o valor da prestação acaba sendo esticado pelos juros elevados e a cobrança de algumas taxas, consideradas altas, como o seguro, que são embutidos no pagamento das mensalidades.

"A redução dos juros tem de ser uma meta constante", defende. Segundo o diretor do Secovi, não é por obra do acaso que o crédito imobiliário na Espanha, só para citar um exemplo, representa 50% do Produto Interno Bruto (PIB). No Brasil, essa proporção não chega a 2%. "Diminuindo os juros, o prazo de pagamento poder ser aumentado, reduzindo o valor da prestação".

Um exemplo que ilustra bem as dificuldades enfrentadas pelos candidatos à casa próprio é o do auxiliar de enfermagem Ailton dos Santos Pereira, de 29 anos, que esteve ontem numa agência da Caixa na capital paulista. Pereira quer financiar 50% do valor de um apartamento usado. "Passei dois anos economizando e trabalhando muito até hoje para comprar a casa própria." Ele conta que o objetivo de juntar metade do valor do apartamento é justamente para fugir dos juros altos praticados no setor.

O vice-presidente da Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac), Miguel Ribeiro de Oliveira, diz que a demanda está fraca por um conjunto de fatores, que inclui o receio do consumidor de assumir um financiamento num período de incertezas sobre a economia.