Título: Três grandes parasitas estão agora seqüenciados
Autor: Herton Escobar
Fonte: O Estado de São Paulo, 15/07/2005, Vida&, p. A15

Eles são especialistas em invadir o organismo humano e burlar seus mecanismos de defesa. Mas não escaparam ao avanço da tecnologia genômica. Em uma série de artigos publicados hoje na revista Science, cientistas de vários países - inclusive do Brasil - apresentam o seqüenciamento genético de três dos mais furtivos parasitas do Terceiro Mundo: Trypanosoma cruzi, responsável pelo mal de Chagas, Trypanosoma brucei, causador da doença do sono, e Leishmania major, um dos muitos culpados pela leishmaniose. Assim como o genoma humano está ajudando a entender melhor o funcionamento do organismo e os mecanismos biológicos por trás de doenças graves como o câncer, pesquisadores esperam que o seqüenciamento genético dos parasitas aponte caminhos para o desenvolvimento de eventuais vacinas e tratamentos contra eles.

O genoma é o guardião de todas as instruções genéticas contidas no DNA e, portanto, serve como ponto de partida para toda a composição e o funcionamento de um organismo.

"O seqüenciamento é como a construção de um alicerce, a partir do qual você vai construir o conhecimento sobre o parasita", explica o pesquisador Carlos Renato Machado, que, ao lado da colega Santuza Teixeira, assina o trabalho de genoma do T. cruzi. Ambos são da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). "O genoma sozinho não responde muitas perguntas, mas abre uma série de possibilidades."

O trabalho pesado de seqüenciamento foi feito ao longo dos últimos cinco anos por laboratórios nos EUA e na Europa - principalmente o Instituto de Pesquisa Genômica (TIGR) e o Instituto Sanger, respectivamente. Mas a primeira página dessa história foi escrita no Brasil, em 1994, durante uma reunião de cientistas patrocinada pela Fiocruz e pela Organização Mundial da Saúde (OMS) no Rio. Foi lá que se decidiu que os três parasitas deveriam ser seqüenciados. "Onze anos atrás isso era um sonho louco", lembra Carlos Morel, na época presidente da Fiocruz e hoje coordenador científico do Centro de Desenvolvimento Tecnológico em Saúde da fundação.

Ele é o autor principal de um comentário que acompanha os trabalhos científicos na Science. Morel destaca o crescimento da capacidade de produção científica e tecnológica dos países em desenvolvimento e comemora o seqüenciamento dos parasitas, mas diz que as doenças continuam negligenciadas pela indústria. "A atenção em termos de pesquisa básica está aumentando, mas quando você pensa na prioridade que o setor farmacêutico dá a essas doenças, é praticamente zero."

Já além do simples seqüenciamento genético, os estudos apresentam comparações e análises dos genomas dos parasitas, assim como de seus proteomas - o conjunto de proteínas codificadas pelas instruções contidas no genoma. É desse tipo de pesquisa, com importante participação brasileira, que poderão sair eventuais alvos moleculares para o tratamento das doenças. Hoje, há algumas poucas drogas disponíveis - todas altamente tóxicas e com aplicação limitada.

"Com o genoma, temos uma plataforma muito mais rápida, fácil e racional para a procura de alvos", diz a pesquisadora Angela Cruz, da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da Universidade de São Paulo, co-autora do estudo do L. major. "Funciona mais ou menos como um catálogo. Sabemos o que está escrito, agora precisamos entender o que está escrito."

"Com tantas informações disponíveis, quem sabe a indústria farmacêutica se sinta um pouco mais animada para investir nessas doenças", diz o pesquisador José Franco da Silveira, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), co-autor do trabalho com o T. cruzi.

Dos seis trabalhos científicos publicados, três trazem o carimbo de instituições brasileiras. Também contribuíram Gustavo Cerqueira (UFMG), Daniela Lacerda (Centro de Pesquisas René Rachou/Fiocruz), Jeronimo Ruiz (FMRP) e Fernando Kreutz (Universidade Federal do Rio Grande do Sul).