Título: Sobre pasto, cerrado pode duplicar área plantada
Autor: Agnaldo Brito
Fonte: O Estado de São Paulo, 17/07/2005, Economai & Negócios, p. B8

Avanço sobre pasto degradado não atingiria um só centímetro das áreas ainda preservadas da região, garante Embrapa

BRASÍLIA - O cerrado, que representa 24% do território nacional, tem capacidade disponível para duplicar a área cultivada. Dos 207 milhões de hectares que compõem o cerrado, 139 milhões de hectares são áreas agricultáveis. O espaço ocupado hoje é de 67,5 milhões de hectares, 14 milhões com culturas anuais (soja, trigo, feijão), 3,5 milhões com fruticultura e 50 milhões pastagens. "Cerca de 60% das áreas de pastagens estão degradadas ou em degradação. É perfeitamente possível usar rotação de cultura para recuperação dos solos", diz Roberto Teixeira Alves, chefe-geral da Embrapa Cerrado. O uso de pelo menos 30% do total de pastagens equivaleria a 15 milhões de hectares. "É possível falar em expansão da agricultura do cerrado sem tocar numa área nova", alega Alves.

Variedades e técnicas de manejo para tanto estão disponíveis. Mais: há inovações em andamento que podem acelerar ainda mais a produtividade regional. A soja é sempre exemplo. A média nacional por hectare é de 2,7 toneladas. No cerrado, é de 2,9 toneladas na média. Bons produtores já conseguem 4 toneladas/ha. "Em pesquisa, a Embrapa já conseguiu rendimento de 5 toneladas", conta Plínio Itamar de Mello de Souza, pesquisador da empresa.

A Embrapa Cerrado acaba de lançar no Centro-Oeste as primeiras três variedades de soja transgênica adaptadas ao clima regional. A tecnologia ainda é a Roundup Ready (RR) da Monsanto. Mas a dependência com a multinacional será por pouco tempo. Terça-feira, a unidade conseguiu as primeiras três variedades transgênicas desenvolvidas inteiramente no Brasil. Terá a mesma função da Soja RR da Monsanto, resistência a um herbicida. A diferença é que o gene incorporado à soja não é resistente ao glifosato, princípio ativo do Roundup Ready da Monsanto, mas ao grupo de herbicida imidazolinonas.

Segundo Souza, há uma sugestão de nome: Soja IMI. "Em dois anos, essas variedades devem estar no mercado", assegura o pesquisador. Antonio Fernando Guerra, também pesquisador, conta outra novidade do cerrado. Não se trata de nova variedade de café, mas de algo mais sui generis. A pesquisa identificou uma forma de enganar o cafezal com o intuito de, na época da colheita, obter o maior volume possível de grão cereja. Seja no cerrado, seja em outros pontos do Brasil, a retirada do grão vermelho dos pés de café arábica - do qual se obtém a chamada bebida fina - varia entre 40% e 45% do total. O restante, grãos verdes, oferta a bebida dura, de baixo valor no mercado.

A estratégia da Embrapa é usar a característica regional (a estiagem por seis meses) para uniformizar o amadurecimento dos frutos. "Isso é inviável em regiões chuvosas, por exemplo", explica Guerra. A empresa percebeu que ao suspender a oferta de água, a planta aciona um mecanismo de defesa: retarda a florada mais avançada e acelera a que está mais atrasada. Quando se igualam, a irrigação é retomada. "O resultado mostrou que o rendimento de grãos cereja pode atingir 85% do total da produção", diz Guerra.

A missão agora é convencer os produtores de que água em excesso pode ser prejudicial. Os 40% da produção brasileira de café, hoje no cerrado, podem evoluir. E, o melhor, obter preços mais elevados. "Em três ou quatro anos, ninguém plantará café com irrigação no ano interior", decreta.