Título: Custos de tratamento para câncer preocupam
Autor: Alex Berenson
Fonte: O Estado de São Paulo, 17/07/2005, Vida&, p. A25

Com remédios mais potentes e com melhores resultados, tratamentos estão cada vez mais caros. E isso já é uma preocupação para médicos, pacientes e gestores de saúde

NOVA YORK - Dez mil dólares já pareceu muito dinheiro para gastar por alguns meses na compra de um remédio. Já não parece mais. Avastin. Erbitux. Herceptin. Rituxan. Tarceva. Eles estão entre os primeiros de uma leva de novos medicamentos que traz esperanças para milhões de pacientes de câncer com novas maneiras de tratar a doença, como o bloqueio dos vasos sanguíneos que irrigam tumores. Mas eles são todos muito caros, chegando a custar U$ 100 mil por um processo de tratamento que dura alguns meses. Isso equivale a centenas de vezes o custo de tratamentos mais antigos e mais tóxicos para câncer e várias vezes o custo anual dos medicamentos antiaids, cujos preços provocaram um clamor generalizado nos anos 90.

E, com exceção do Glivec, da Novartis, usando no tratamento de leucemia e que tem tido alguns bons resultados, os novos remédios para câncer ajudam apenas marginalmente a maioria dos pacientes, prolongando a vida em algumas semanas ou meses.

Por enquanto, os dispendiosos remédios para câncer são uma parte relativamente pequena dos custos médicos totais. Mas alguns médicos advertem que, com a chegada de novos medicamentos, o uso de terapias muito caras pode alimentar uma escalada dos custos dos sistemas de saúde.

Leonard Saltz, um especialista em câncer de cólon, do Memorial Sloan-Kettering Cancer Center, em Nova York, acha que os pacientes poderão enfrentar um racionamento no atendimento se os custos continuarem subindo.

Economistas especializados em sistemas de saúde dizem que a elevação dos custos dos novos tratamentos para câncer e de outros medicamentos colocarão questões difíceis para médicos e autoridades. Os pacientes devem ter acesso garantido a drogas seja qual for o seu custo? E os médicos devem ser encorajados a considerar o custo quando decidem sobre o tratamento - algo que a maioria dos médicos dos EUA garante hoje que não faz?

Para as companhias farmacêuticas, há muitos fatores envolvidos no preço de seus medicamentos, entre eles o alto custo da pesquisa e desenvolvimento, os processos de fabricação complexos e caros, e o valor que os remédios oferecem aos pacientes.

À medida que os médicos aprenderem a usar combinações das novas drogas no tratamento, as terapias estenderão a vida de mais e mais pacientes, acredita Susan Desmond-Hellmann, presidente para desenvolvimento de produtos da Genentech, uma empresa de biotecnologia sediada em South San Francisco, na Califórnia. A companhia produz vários desses novos remédios, incluindo o Avastin, que são considerados entre os mais promissores. A provisão do remédio para um ano de tratamento de um paciente médio de câncer de cólon custa U$ 54 mil.

Por enquanto, a maioria dos pacientes é capaz de obter os novos remédios, seja pela cobertura do seu seguro-saúde, seja pelos programas de assistência médica. Shawnette Treat, de 37 anos, teve um diagnóstico de câncer de pulmão no início do ano passado. Sua expectativa de vida era de dois anos. Ela agora toma Tarceva, que custa quase U$ 90 por dia, ou U$ 31 mil por ano.

Angela Dispenzieri, uma oncologista da Clínica Mayo, especializada no tratamento de um câncer no sangue chamado mieloma múltiplo, disse que evitava apresentar um remédio chamado Thalomid a pacientes que não teriam meios para comprá-lo. O remédio custa U$ 25 mil por ano e só será coberto pelo Medicare (o sistema público de saúde americano) a partir do próximo ano. "Não quero que eles se sintam mal", disse.

Alguns profissionais da saúde acham que, a julgar pelo passado, pacientes, médicos e legisladores não desejarão colocar questões sobre como o sistema médico deve lidar com o custo dos novos medicamentos.

"Não há nenhum incentivo real no sistema para uma maior racionalidade", disse John Hornberger, professor de medicina na Universidade de Stanford e um estudioso dos custos de remédios.

RELAÇÃO CUSTO-BENEFÍCIO

Os legisladores dos EUA, diferentemente dos da Grã-Bretanha e de alguns outros países, não medem a relação custo-benefício de novos remédios, disse Hornberger. O governo não controla os preços de remédios, e o Medicare está proibido de tomar decisões sobre cobertura com base no custo. Deve basear suas decisões exclusivamente no desempenho do remédio.

Para Hornberger, em termos de custo por vida salva, remédios que baixam o colesterol, como o Lipitor, que reduz ataques cardíacos e derrames, são provavelmente mais eficazes que remédios para câncer.

Mas o câncer é uma doença particularmente assustadora, e as pessoas pagam qualquer preço pelos tratamentos. Além do mais, a maioria dos remédios para câncer não tem bons substitutos. Se um produto funciona - ainda que marginalmente -, pacientes e médicos clamam por ele, e as seguradoras não têm muito escolha senão cobri-lo, disse ele.

Para Geoffrey Porges, um analista de biotecnologia da Sanford C.Berstein & Company, embora alguns desses remédios novos sejam difíceis de produzir, seus preços não estão relacionados com os custos de fabricação. Os fabricantes cobram o que acham que o mercado vai aceitar, disse ele.

Os grupos de defesa de pacientes de câncer têm mantido silêncio sobre preços de remédios porque pressionar as fabricantes de medicamentos poderia desencorajá-las a fazer os investimentos bilionários para descobrir e desenvolver produtos.

Os médicos tampouco querem considerar o custo, disse Eric Nadler, um pesquisador da Escola de Medicina de Harvard que estudou as atitudes de oncologistas sobre a questão. Em seu estudo, 80% dos médicos especialistas em câncer disseram que receitariam um remédio custando até U$ 70 mil se ele prolongar a vida de um paciente mesmo que apenas dois meses além do que faria um tratamento padrão.

Na verdade, o modo como os médicos são reembolsados por remédios para câncer nos EUA os incentiva a receitar os tratamentos mais caros. Os remédios são geralmente aplicados por via intravenosa num hospital ou no consultório do médico, e o Medicare paga aos médicos pelo custo do produto mais um pequeno extra para ajudar a cobrir suas despesas gerais. Quanto mais alto o preço do medicamento, maior a remuneração extra.

Com isso, a oposição enfrentada pelos fabricantes de remédios aos altos preços dos novos remédios para câncer tem sido dispersa. A espiral ascendente começou em 1992, quando a Bristol-Myers Squibb começou a cobrar U$ 4 mil pelo tratamento por um ano com o Taxol, um remédio para câncer de mama. Depois, em 1998, a Genentech começou a cobrar U$ 20 mil por ano pelo Herceptin, outro para tratamento para câncer de mama.

Quatro anos depois, a Bristol e a ImClone Systems começaram a cobrar até U$ 100 mil por ano pelo Erbitux, um remédio para câncer de cólon em estágio avançado. Esses são preços médios calculados pelas companhias e por analistas financeiros porque os pacientes têm ciclos de tratamento diferentes.