Título: Num país sofrido, Chávez se consolida
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Fonte: O Estado de São Paulo, 17/07/2005, Internacional, p. A21

`Se a Venezuela é tão rica, por que sou tão pobre?¿, perguntam os venezuelanos

CARACAS - Diante de uma bateria de câmeras de televisão, o presidente Hugo Chávez confrontou-se com o impulso de começar a cantar e - como freqüentemente acontece nesses momentos - rendeu-se sem lutar. Guantanamera, cantou ele numa voz de barítono confiante, inclinando-se ligeiramente para o refrão da canção mais celebrada de Cuba: guajira guantanamera... Chávez estava no meio do seu programa semanal de seis horas na TV, Alô, Presidente, que, no decorrer de 228 episódios tem proporcionado uma percepção exaustiva sobre o homem que rivaliza com Fidel Castro como o mais controvertido e carismático líder da América Latina. A canção de amor cubana foi uma trilha sonora adequada para um programa recente, no qual Chávez repetidamente agradeceu a Fidel por inspirá-lo a acelerar a redistribuição de riqueza num país onde cerca da metade da população vive na pobreza.

Nadando numa onda de preços recordes do petróleo venezuelano, Chávez, que sobreviveu tanto a um breve golpe quanto a um referendo sobre sua permanência no poder, parece estar consolidando o apoio popular, usando a inesperada sorte econômica para expandir programas sociais para os pobres e intensificar o que chama de revolução pacífica contra o capitalismo global.

As relações políticas de Chávez com os Estados Unidos continuam atribuladas como sempre e ele tem afirmado repetidas vezes que a CIA está tramando para derrubá-lo. Neste ínterim, seus inimigos domésticos dizem que sua nova amplitude social é acompanhada de tentativas de usar mão pesada para assumir o controle das instituições do país e sufocar a dissidência.

"Ele faz todo tipo de mudanças, e tem feito seguindo os conselhos de Fidel", disse Carlos Eduardo Berrizbeitia, de um partido político de oposição. "Agora começou a moldar as instituições do país - como a Suprema Corte - para criar um modelo que sirva somente a ele mesmo. O molde tem cores de democracia, mas não é real".

Com a venda de 1,5 milhão de barris de petróleo por dia para os Estados Unidos, no montante de US$ 2,7 bilhões por mês, Chávez aumentou os gastos do governo em 36,2% este ano. Despejou bilhões em mercearias, cooperativas de trabalhadores, centros de educação para adultos e clínicas de saúde pública subsidiadas pelo Estado e, como dizem funcionários do alto escalão do governo, com 16 mil médicos tomados de empréstimo de Cuba.

Nesse meio tempo, o presidente convenceu a amigável Assembléia Nacional a permitir que ele substituísse opositores na Suprema Corte, preenchesse uma dezena de cargos extrajudiciais com aliados, reformulasse o Código Penal e apertasse o controle sobre as emissoras de TV e rádio. Além disso, o Legislativo está disposto a lhe dar mais controle das reservas do Banco Central.

O governo recusou os pedidos de uma entrevista com o presidente. Enquanto os críticos no âmbito interno e no exterior advertem sobre suas tendências crescentemente ditatoriais, Chávez desfruta de amplo apoio entre os pobres, e seus índices de popularidade ultrapassam os 60%. Nas ruas do bairro de Petare, um bairro pedregoso na região leste de Caracas, milhares de pessoas abriam caminho desviando-se das poças de água da chuva. Vendedores sob guarda-sóis encardidos apregoavam virtualmente tudo, de fraldas a ratoeiras. Quase todos os compradores e vendedores eram pobres ou quase. Mas poucos culpavam Chávez por sua situação difícil.

"Ele tem feito o que nenhum presidente fez antes", disse Carlos Romero, um motorista de caminhão de 49 anos usando camiseta e jeans esfarrapados. "Ele ajuda os pobres."

Juntou-se uma multidão, ávida por opinar. Dois homens que bebiam cerveja num quiosque ao ar livre reclamaram que Chávez não fez nada para ajudá-los a encontrar emprego.

"Não é culpa de Chávez", gritou Viviana Caciani, de 33, entrando na discussão. "Vida longa à revolução!"

Na Venezuela de Chávez a política está sempre visível, mesmo numa feira de fim de semana. Num saco de arroz está impresso um artigo da Constituição venezuelana lembrando aos compradores que o governo está subsidiando o produto. Acompanha uma ilustração que mostra um herói de histórias em quadrinhos chutando um demônio vestido com um terno executivo - um vilão imperialista.

Mas outras formas de segurança são mais difíceis de encontrar em Caracas. Apesar da receita do petróleo, a criminalidade está desenfreada e a penúria nunca está longe. Alguns venezuelanos se perguntam se Chávez conseguirá manter o atual nível de popularidade se a situação não melhorar logo.

"A pergunta que todo mundo faz é: `Se a Venezuela é tão rica, porque sou tão pobre?¿", disse Alfredo Keller, pesquisador da opinião pública e analista. "Chávez está tentando introduzir profundas mudanças ideológicas inspirado em Fidel Castro e começou a lançar um debate que diz que ser rico é ruim. Mas esta não é uma opinião compartilhada por muita gente daqui."

Apesar de Chávez retoricamente invocar ícones comunistas como Karl Marx e Che Guevara, a Venezuela está longe de virar uma Cuba. Apesar da insistência de Chávez de que a Venezuela deve se libertar da influência do capitalismo global, este mês, o governo recebeu mais de 200 empresas americanas numa feira comercial destinada a expandir e diversificar os laços comerciais bilaterais.

Até agora, as tendências econômicas desde que Chávez assumiu o poder em 1998 têm sido controvertidas. A taxa de desemprego em maio foi de 12,6%, 3 pontos menos que no mesmo período do ano passado. Mas 53% dos domicílios viviam na pobreza em 2004, enquanto, segundo dados do governo, este índice era de 49% há seis anos.