Título: Na entrada da favela, muitas grávidas. São olheiras do tráfico
Autor: Marinês Campos
Fonte: O Estado de São Paulo, 18/07/2005, Metrópole, p. C3

Da metade da rua, já dá para vê-las sentadas sob o sol, em bancos improvisados, rodeadas de crianças, como um grupo de mães preocupadas. De perto, porém, o que se percebe é que essas mulheres, muito mais que nos filhos, estão atentas à chegada de estranhos. Funcionárias do tráfico, elas tomaram o lugar dos homens como olheiras em algumas favelas da zona leste. Por R$ 20,00 ou R$ 30,00 a cada plantão de seis horas, elas têm a missão de avisar o chefe quando algum carro da polícia aparece. Quando isso acontece, correm para um barraco e acionam a campainha, que soa no lugar onde a droga está guardada. Em uma dessas comunidades - o local não será revelado a pedido de ONGs - , elas estão lá, muitas grávidas e dependentes de drogas, protegidas por um escudo de crianças.

"Os traficantes têm preferido empregar mulheres com filhos", diz o coordenador de uma entidade. "Os companheiros estão mortos ou presos e o sustento dos filhos depende só delas. Elas fazem o serviço direito para não perder a renda."

Numa dessas favelas, uma mulher mais velha, cerca de 40 anos, circula com maços de dinheiro. É a responsável pela arrecadação da venda da droga e pela fiscalização das outras - a concorrência para ser olheira é tão grande que parte das mulheres só consegue trabalho duas vezes por semana.

É o caso de Rosana, que sustenta seus dois meninos, de 3 e 6 anos, com os R$ 60,00 do Bolsa-Família e a cesta básica ganha de uma igreja. Os R$ 50,00 semanais do serviço no tráfico são reservados para o marido. Preso no Belém, é com ele que a moça de 20 anos, grávida do terceiro filho, gasta o dinheiro.

Nos dias de visita, leva cigarros, bolo, manteiga, sabonete e creme dental. "Quando ele ficou sabendo que eu estava grávida de novo, inventou de roubar e acabou preso." A jovem faz plantão duas vezes por semana. Os filhos ficam sozinhos.

Rosana, além do temor de cometer erros - se isso acontecer, há risco de surra ou morte -, tem medo de ser detida: "Se a mulher vai presa, ninguém cuida das crianças como a gente."

Pouco depois, chega Sueli, de 26, mãe de quatro crianças, que acabou de confirmar a suspeita no posto de saúde: terá seu quinto filho. "Meu marido está preso e fiquei grávida na visita íntima. Já desconfiava, porque comecei a sentir enjôo quando fumava maconha."