Título: Software ajuda tratamento de aids
Autor: Adriana Dias Lopes
Fonte: O Estado de São Paulo, 18/07/2005, Vida&, p. A13

A Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) acaba de concluir um trabalho que tem tudo para causar impacto na saúde pública brasileira: um software específico para ser usado no atendimento do paciente com HIV. O programa, instalado há uma semana nos computadores dos infectologistas e residentes da especialidade da Unicamp, é capaz de armazenar as mais variadas informações, que vão de comportamento epidemiológico e uso de medicações específicas para o HIV a resultados de exames laboratoriais. Ao mesmo tempo em que é usado, o sistema alimenta uma base de dados que possibilita cruzar todas as informações automaticamente e apresentá-las na forma gráfica. Nos retornos do paciente, o médico só alimenta o programa com novas informações. O próprio software faz as modificações onde tem de fazer.

"Os recursos não servem só para economizar tempo, mas para humanizar a consulta, já que o programa facilita os meios para o médico conhecer mais o paciente", explica William Barros de Abreu, autor do software, batizado de Programa de Informações sobre Atendimento aos Pacientes com Infecção por HIV (Piaph). Uma das páginas traz o registro das doenças oportunistas.

RAPIDEZ

Para preencher os campos, o médico só precisa dar um clique. As opções de resposta são padronizadas. "A gente passa mais tempo preenchendo papel à mão do que atendendo as pessoas. Metade do tempo da consulta é desperdiçado com o preenchimento de documentos", conta Gabriela Waghabi, infectologista do Centro de Referência e Treinamento de DST/Aids (CRT-Aids), um dos centros com maior fluxo de pacientes do Brasil.

A cada dia, o CRT atende 200 casos. Novos, 40 por mês. O que significa que são 40 novos prontuários criados mensalmente. "Cada prontuário tem cerca de 200 folhas", calcula Abreu. No País, foram atendidos 150 mil pacientes que consumiam anti-retrovirais em 2004. A previsão para este ano é de que sejam 20 mil a mais.

O HIV positivo produz um número gigantesco de informações médicas. A sobrevida tem sido cada vez mais longa e a freqüência de consultas é, na maioria das vezes, maior que a dos pacientes com doença crônica (diabete, hipertensão, cardiopatia). "Quando o paciente está bem, ele tem de ir ao médico no mínimo uma vez a cada dois meses", diz a infectologista.

Entre os documentos médicos que têm de ser preenchidos num atendimento de qualquer sistema de saúde, estão relatório das consultas, pedidos de exames, receitas, formulários de solicitação de remédios especiais para o HIV que devem ser enviados ao Ministério da Saúde e laudos para permitir o acesso do paciente a benefícios.

Para a pesquisa clínica, o programa vale ouro. "Já imaginou saber em minutos quais são as doenças oportunistas mais freqüentes relacionadas a determinado remédio?", indaga Abreu.

Jorge Beloqui, membro da ONG Grupo de Incentivo à Vida (GIV), alerta que a informatização dos dados pode trazer uma ameaça: a propagação dos dados do paciente. "O que garante que dados confidenciais não vão se espalhar? É mais difícil controlar isso no computador."

ACESSO RESTRITO

Para entrar no software, porém, a pessoa é cadastrada, diz Abreu. "Ela entra como médico, residente ou enfermeiro. Cada um com seu devido campo de acesso", explica.

O prontuário eletrônico é permitido pelo Conselho Federal de Medicina há três anos. O médico deve seguir as orientações de segurança de uma resolução de 2002. "Ele deve fazer uma cópia a cada 24 horas e controlar o acesso, por exemplo", informa Isac Jorge Filho, diretor do Conselho Regional de Medicina de São Paulo. Só podem ter acesso ao prontuário (eletrônico ou feito à mão) o paciente e seus médicos. Os documentos devem ser guardados por, no mínimo, 20 anos após a alta.

O programa da Unicamp começou a ser idealizado no fim da década de 90, quando a Unidade de Pesquisa Clínica da universidade passou a participar de pesquisas clínicas nacionais e internacionais. "Para conseguir qualquer dado de pacientes da Unicamp, era um sufoco", lembra Abreu. Há dois anos, ele teve a idéia de transformar o software em projeto de pesquisa para conseguir verba. A aprovação do Ministério da Saúde foi rápida. O apoio veio na forma de equipamento técnico. Em troca, o ministério tem o direito de usar o programa.

Em janeiro, Abreu foi a Brasília para exibir o programa, quando ele ainda estava em fase final de execução. Participaram cinco centros especializados no atendimento ao HIV positivo. Segundo o Ministério da Saúde, o "software está sendo analisado para verificar se ele pode ser usado como ferramenta".