Título: Toque de recolher vira rotina no Rio
Autor: Clarissa Thomé
Fonte: O Estado de São Paulo, 19/07/2005, Metrópole, p. C3

Quase diariamente, em algum ponto do Rio, pequenos e grandes comerciantes, diretores de escolas e hospitais, e gerentes de bancos se vêem diante do impasse: ceder ou não à pressão dos traficantes para baixar as portas em sinal de luto pela morte de comparsas em confronto com a polícia ou na guerra entre facções criminosas. Os feriados forçados já levaram ao fechamento definitivo de uma escola, a Saint Gregor, na zona oeste. "A escola ficou 22 dias sem atividades, ora por conta das ameaças, ora pelos tiroteios, ora porque os pais não levavam as crianças. Era uma escola tradicional, de classe média, e fechou as portas no fim de 2003", contou o presidente do Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino do Rio (Sinepe), José Antônio Teixeira.

O problema é tão sério que a Universidade Estácio de Sá foi condenada a indenizar em R$ 400 mil a estudante Luciana Novaes, que ficou tetraplégica ao ser atingida por bala perdida no pátio da instituição. A Justiça argumentou que a universidade havia sido alertada por traficantes de que deveria fechar, mas desobedeceu a ordem dada por criminosos.

"Vivemos sob o império da violência. É revoltante, mas temos de fechar sob ordem do tráfico. É a sociedade que construímos. A ré (Estácio) assumiu o risco", disse o desembargador Ademir Pimentel, da 13.ª Câmara Cível, no dia 22. O desembargador José Azevedo Pinto acompanhou: "Infelizmente, a verdade é que o tráfico tem o poder de polícia e o Estado se omite. É uma realidade surrealista, mas é a que vivemos."

A Associação Comercial do Rio não tem levantamento sobre os prejuízos dos comerciantes ou sobre os dias perdidos. "Essa situação nos preocupa. O comércio deixa de lucrar não só porque não pode abrir, mas porque depois o consumidor tem medo de andar na rua. O comércio de rua está em situação pré-falimentar", afirmou o presidente do Conselho de Segurança da entidade, Francisco Horta. Num só dia de fechamento em 2002, que atingiu Rio, São Gonçalo e Niterói, o prejuízo foi de R$ 200 milhões.

Na padaria Mapicu, perto do Morro do Andaraí, as contas estão atrasadas, o proprietário luta para baixar o aluguel de R$ 2.500,00 e o número de funcionários foi reduzido. Os que ficaram só recebem a metade do salário no dia do vencimento - o restante vêm ao longo do mês.

Edmeia da Silva Rodrigues, de 52 anos, funcionária há 11 de uma loja de construções próxima do Morro do Dendê, na Ilha do Governador, disse que é obrigada a fechar pelo menos uma vez por mês. "Às vezes, não vejo quem passou, mas os vizinhos fecham e eu acompanho. "

SEM AULA

A Secretaria Municipal de Educação, que tem 1.054 escolas e 203 creches, contabiliza 181 dias letivos perdidos em 2004, somando todos os colégios que foram obrigados a fechar em algum momento. "É difícil receber ordens de um setor ilegal, pautar seu trabalho por ordens desse tipo. Cada diretora tem autonomia para avaliar a situação", contou a secretária de Educação, Sônia Mograib. Na Escola Municipal Eurico Salles, no Engenho da Rainha, zona norte, o turno da noite está prejudicado. A ordem para que as aulas sejam suspensas chega às quartas-feiras, por telefone.

O delegado da Cidade Nova, Ricardo Teixeira, diz que tem conseguido reduzir pela metade as ocorrências de toque de recolher usando uma tática inusitada. Assim que o comércio fecha, a polícia sobe o morro de onde partiu a ordem. "Eles fecham o comércio aqui em baixo e eu fecho o deles lá em cima."

Para o presidente do Instituto Brasil de Pesquisa Social, Geraldo Tadeu Monteiro, a decisão contra a Estácio é preocupante. "É o Judiciário sancionando um poder de fato - não de direito - dos criminosos."