Título: G-8 e clima - sucesso ou fracasso?
Autor: José Goldemberg
Fonte: O Estado de São Paulo, 19/07/2005, Espaço Aberto, p. A2

Apesar de o impacto da reunião do G-8 (os maiores países industrializados do mundo) na Escócia ter sido ofuscado pelos atentados terroristas em Londres, os líderes mundiais trabalharam duramente para aprovar um pacote de medidas para combater a pobreza na África e um ¿Plano de Ação sobre as Mudanças Climáticas, Energia Limpa e Desenvolvimento Sustentável¿. A reunião não pode, pois, ser considerada um fracasso, que era previsto por muitos, devido à oposição do presidente Bush, dos EUA, que até bem recentemente se recusava até a aceitar as evidências de que a atividade humana está contribuindo para o aquecimento global e considerava que aderir ao Protocolo de Kyoto destruiria a economia americana.

Chegou-se a prever que haveria dois comunicados finais, tornando claras as divergências entre os EUA e os demais participantes da reunião. Especula-se sobre as razões por que o presidente Bush fez concessões na reunião do G-8: uma delas seria a pressão de Blair e dos outros países, que deixariam os EUA isolados. É pouco provável que essa seja a principal razão.

Para Bush, rejeitar o Protocolo de Kyoto é fundamental por razões de política interna dos EUA; afinal, o protocolo foi negociado por Albert Gore, vice-presidente de Clinton e candidato que concorreu com ele à Presidência. Reconhecer que Gore estava certo é impossível para Bush. Há, além disso, pressões internas muito fortes para ele fazer concessões: por um lado, Estados importantes, como a Califórnia, adotaram metas e calendários para a redução de emissões, bem como centenas de prefeitos e até grupos religiosos.

Foram estas pressões que, provavelmente, levaram o Senado americano a aprovar uma moção (com apoio de vários senadores republicanos) apelando para que o presidente apresente propostas que estabeleçam metas compulsórias para a redução das emissões de gases do ¿efeito estufa¿ e encoraje a participação de outros países (presumivelmente, países em desenvolvimento como China, Índia e Brasil).

Essa moção está em conflito direto com uma resolução aprovada pelo Senado, em 1997, repudiando o Protocolo de Kyoto.

O comunicado final da reunião reconheceu, por unanimidade: ¿Mudanças climáticas constituem um sério desafio a longo prazo que potencialmente afetará todas as regiões do globo.

Sabemos (isto é, aceitamos a tese) que o aumento do uso de combustíveis fósseis e outras atividades humanas contribuem de forma significante para o aumento de emissão de gases do `efeito estufa¿ associado com o aquecimento da Terra.¿

Declararam ainda os países do G-8 que ¿atuarão decididamente e com urgência¿ para atingir seus ¿objetivos de reduzir as emissões de gases responsáveis pelo `efeito estufa¿¿.

Os países dos G-8 apresentaram um amplo ¿menu¿ de atividades de como atingir esses objetivos, sob a forma de um ¿Plano de Ação¿, mas não adotaram metas para as reduções, como as adotadas no Protocolo de Kyoto, o que desapontou muitos.

Os membros do G-8 que ratificaram o Protocolo de Kyoto (exceto os EUA), contudo, se comprometeram a redobrar os esforços para torná-lo um sucesso, incluindo o fortalecimento dos mecanismos de implementação, em particular o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo, de grande interesse para o Brasil.

O comunicado faz várias aberturas para ações futuras que, na prática, vão acelerar ¿ e muito ¿ os contatos entre os países mais interessados no problema. A mais importante, a nosso ver, é o estabelecimento pelos países do G-8 de um ¿Diálogo sobre Mudanças Climáticas, Energia Limpa e Desenvolvimento Sustentável¿, para o qual serão ¿convidados outros países interessados com necessidades energéticas significativas¿, numa clara alusão à China, à Índia e ao Brasil, que, juntamente com a África do Sul e o México, participaram da reunião na Escócia.

Um relatório das atividades desse diálogo deverá ser preparado para a reunião do G-8 em Tóquio em 2008, o que por si só estabelece um calendário para possíveis ações. A primeira reunião do ¿diálogo¿ deverá ocorrer ainda este ano na Inglaterra, onde deverão ser discutidos planos específicos para implementação do ¿Plano de Ação¿.

Este plano é essencialmente técnico, mas bastante abrangente, e abre caminhos para ações concretas do Banco Mundial e outros mecanismos de financiamento. Faz menção também ao combate ao desmatamento ilegal e ¿reconhece a importância dos grandes reservatórios de carbono, incluindo o Congo e a Amazônia¿, e os impactos que o desmatamento tem na perda da biodiversidade e do desenvolvimento sustentável global.

A nosso ver, o aspecto mais promissor da resolução do G-8 é a proposta do ¿Diálogo sobre Mudanças Climáticas, Energia Limpa e Desenvolvimento Sustentável¿, porque ela não envolve os 188 países que aderiram à Convenção do Clima. Representantes destes países se reúnem todo os anos na Conferência das Partes, em que as decisões são tomadas por consenso, e que na prática se revelou uma receita para a paralisia.

Alguns países produtores de petróleo, em especial a Arábia Saudita, bloqueiam qualquer decisão mais significativa que redunde na redução do consumo de combustíveis fósseis, o que é a própria negação do objetivo da Convenção do Clima. O ¿diálogo¿ proposto pelos países do G-8 envolverá apenas alguns países interessados, os quais poderão tomar decisões importantes, evitando discussões intermináveis.

Esperamos que o Brasil se junte imediatamente ao G-8, para pôr em marcha as medidas propostas no ¿Plano de Ação¿ da reunião que ocorreu na Escócia e no seu ¿diálogo¿.