Título: Governo parado?
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 19/07/2005, Notas & Informações, p. A3

O governo não acabou por causa da crise política, mas certamente acabará muito antes de terminar o atual mandato, se, por causa dela, continuar adiando sua importante pauta de modernização econômica e institucional.

O que preocupa não é a folga de quatro dias do ministro da Fazenda, Antonio Palocci, nem o descanso de duas semanas autorizado a dois de seus principais assessores, os secretários do Tesouro, Joaquim Levy, e de Política Econômica, Bernard Appy. No mundo civilizado, autoridades tiram férias todo ano e assim retemperam energias para trabalhar melhor. O que preocupa é a conversa, em Brasília, de adiamento das ações mais ambiciosas por causa do quadro político desfavorável.

¿O espaço político que existe é apenas para investigar a corrupção dentro do governo¿, disse ao Estado o líder do PFL na Câmara, deputado Rodrigo Maia.

Essa será a situação, segundo ele, ¿pelo menos nos próximos 60 dias¿. Se isso for verdade, mal sobrará tempo, no segundo semestre, para a discussão da proposta do Orçamento Geral da União (OGU). Com a aproximação das eleições, pouco se fará até o fim do próximo ano.

Se aceitarem essa perspectiva, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e os ministros econômicos tomarão o caminho do suicídio político, mas o custo recairá sobre todo o País. Batalhar por algum avanço na pauta de reformas é a única saída racional. Nesse rumo, as chances de êxito podem ser limitadas.

No outro, o fracasso é uma certeza.

Toda iniciativa que envolva a participação de congressistas será especialmente complicada. O PMDB está dividido. Três partidos da base, o PTB, o PL e o PP, estão sob os holofotes das investigações dos Correios e do mensalão. Mas o governo precisará enfrentar esse problema, de qualquer forma, para garantir a tramitação do projeto do OGU, no segundo semestre. Antes disso, terá de cuidar da aprovação do projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), paralisado para que não se interrompam neste mês as atividades do Congresso.

O governo terá de negociar com parlamentares, também, para levar adiante quatro projetos em tramitação na Câmara dos Deputados. Haveria dificuldades em todas ou quase todas as discussões, mesmo sem a crise política.

Mas o governo teria de concentrar esforços pelo menos em alguns desse projetos, todos muito importantes para a economia brasileira. Tratam da reforma tributária, que unifica a legislação do ICMS, do parcelamento de débitos fiscais de empresas em recuperação judicial, do status das agências reguladoras e das normas para serviços de saneamento básico. São projetos que interessam também ao setor privado.

Em alguns casos, esse interesse é muito forte. Sem a regra do parcelamento das dívidas fiscais, muitas empresas não terão acesso aos benefícios da nova Lei de Falências. Sem as normas para os serviços de saneamento, importantes investimentos ficarão paralisados. Mas algumas iniciativas dependem basicamente do Executivo.

Uma delas é a integralização do Fundo Garantidor das Parcerias Público-Privadas (PPPs), instrumento de segurança para os investidores. Da mesma forma, o governo poderia cuidar do prometido ¿choque de gestão¿, alardeado e em seguida posto de lado.Para ser completo, um choque deveria envolver mudanças muito ambiciosas. Algumas exigiriam alterações legislativas. Mas, mesmo sem isso, pode haver melhoras na administração. As mudanças ministeriais poderiam ter sido os passos iniciais para o ¿choque¿, mas não há sinal, até agora, de que o governo aproveitará a oportunidade.

Da mesma forma, o Executivo ganharia pontos, diante dos mercados, se elegesse formalmente um objetivo fiscal mais ambicioso que o programado para este ano. O resultado primário ¿ antes do pagamento de juros ¿ vem superando o previsto oficialmente, 4,25% do Produto Interno Bruto. Mas os benefícios políticos e financeiros desse resultado serão menores do que poderiam ser se o governo declarasse para este e para o próximo ano uma nova meta fiscal. Por que não tentar? O custo de não agir será muito maior.