Título: Gallo critica o modelo antiaids
Autor: Ricardo Westin
Fonte: O Estado de São Paulo, 19/07/2005, Vida&, p. A17

O cientista americano Robert Gallo, que se tornou mundialmente famoso como co-descobridor do vírus HIV, aproveita a disputa entre o governo brasileiro e a multinacional Abbott em torno da possível quebra de patente do Kaletra (um dos remédios do tratamento de aids) para fazer duras críticas ao País. Segundo ele, quem mais tem a perder com essa guerra é o Brasil, além de ser contra o modelo nacional de distribuição de remédios. "Se a patente for quebrada e a Abbott se sentir tão ofendida a ponto de ir embora do Brasil, quem vai ganhar agora são vocês. Mas vão acabar perdendo lá na frente. Porque a Abbott certamente vai deixar de desenvolver remédios no Brasil. E então o que vai acontecer com a próxima doença que se tornar epidemia? O Brasil vai ser o último lugar com o qual a Abbott vai se preocupar", diz Gallo, que participou ontem em São Paulo de uma conferência sobre aids.

Segundo o pesquisador, o governo não pode usar como argumento para a quebra de patente o fato de o Brasil não ser um país rico. "A Abbott não tem de concluir que o Brasil é pobre. A empresa tem de cuidar de suas próprias finanças, não das finanças dos países. Ela tem pessoas que aplicaram dinheiro, pessoas que fizeram economias a vida inteira e acreditaram no investimento", afirma ele. "O laboratório gastou US$ 500 milhões em pesquisas e agora vocês querem o remédio de graça. Não dá para simplesmente sair dando as drogas por aí. Além disso, nos Estados Unidos já pagamos três vezes mais que vocês pelas mesmas drogas."

Como solução para ambos os lados - para que os laboratórios não saiam no prejuízo nem parem de investir em pesquisas e para que os doentes não deixem de receber os medicamentos -, Robert Gallo sugere que se crie um imposto para financiar a compra dos remédios. Esse tributo seria cobrado das classes altas tanto nos países ricos como nos países pobres. Para ele, o modelo brasileiro - de distribuição gratuita para todos os doentes - é equivocado. "Por que no Brasil um milionário também recebe os remédios gratuitamente? Se tem dinheiro, ele tem de ser taxado", argumenta.

"REFERÊNCIA MUNDIAL"

Gallo mostra desconforto quando ouve que o programa brasileiro de tratamento da aids é "referência mundial". "Seria muita arrogância acreditar nisso. O Brasil pode ser um modelo para os países em desenvolvimento, mas não para os EUA. Vocês acham que são, mas não são. Temos o nosso próprio modelo, ajudando a quem mais precisa, que são as cidades pobres do interior e a população negra, e trabalhando com educação e treinamento."

Apesar de todas as críticas, Robert Gallo diz que não está a favor da multinacional na questão da quebra de patente. Segundo ele, ambos os lados têm suas razões.

Aos 68 anos, Gallo atualmente é o diretor do Instituto de Virologia Humana, da Universidade de Maryland em Baltimore, nos Estados Unidos. Grande parte das pesquisas que ele desenvolve, relacionadas à aids, são financiadas pelo governo americano. Ele faz questão de frisar que não recebe verbas de empresas privadas e que, portanto, não tem interesse em defendê-las.

O pesquisador divide a façanha de ter descoberto o vírus HIV como o causador da aids, em 1984, com o francês Luc Montagnier, do Instituto Pasteur, de Paris. Além disso, a equipe do americano desenvolveu o teste que identifica o HIV no sangue.

O que mudou nestes 21 anos, explica Robert Gallo, foi que a doença se tornou menos assustadora. "A terapia é muito melhor do que eu imaginava que seria hoje", avalia ele. "Mas a vacina ainda está muito mais longe do que eu imaginava que estaria hoje."