Título: 'O Planalto erra diante da crise'
Autor: Luciana Nunes LealExpedito Filho
Fonte: O Estado de São Paulo, 17/07/2005, nacional, p. A7

Delcídio diz que a posição do governo de deixar que os problemas fiquem circunscritos ao Congresso é equivocada

BRASÍLIA - Presidente da CPI dos Correios e conhecedor de cada denúncia que chega à comissão, o senador Delcídio Amaral (PT-MS), de 50 anos, acredita que o Palácio do Planalto erra ao tentar se afastar da crise. Diante da gravidade das acusações, Delcídio sugeriu ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva que criasse um grupo para manter contato com a CPI, o que não aconteceu. "Essa posição de talvez segregar, separar e deixar que essa crise fique circunscrita ao Congresso é uma visão equivocada. Até porque a crise atinge vários segmentos do Poder Executivo e isso não pode ser desconsiderado", diz.

O senador reconhece os prejuízos ao PT e diz que a CPI poder ser dura, mas também redentora para o partido. "Se atingir o PT, é melhor que atinja e a gente passe isso a limpo. Não podemos ficar patinando."

Insatisfeito com a demora no envio de informações sigilosas das contas bancárias de alguns suspeitos, Delcídio diz que prefere acreditar que os problemas do Banco Central são burocráticos, não políticos. E avisa que poderá usar até o poder da CPI para determinar a busca e apreensão dos documentos.

Na noite de quinta-feira, enquanto seu time, o São Paulo, goleava o Atlético Paranaense na final da Libertadores da América, Delcídio Amaral falou ao Estado. O senador diz que a CPI não pode falhar diante da cobrança da opinião pública. Na semana passada, percebeu o quanto a população está atenta à crise. Ao embarcar para Campo Grande, foi saudado por passageiros com o bordão dos parlamentares nas sessões: "Pela ordem, presidente!"

A investigação já permite levar aos culpados da corrupção nos Correios e em outras estatais?

A CPI ainda não tem provas. As constatações claras são uma movimentação (bancária) absolutamente fora do habitual, principalmente das empresas do senhor Marcos Valério (Fernandes de Souza, acusado de ser o operador do mensalão). Com as informações que estão chegando do Banco Central, do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), dos bancos, não tenho dúvida de que vamos ter todas as condições de fazer o cruzamento das informações e levar a CPI para um outro rumo, que vai garantir os resultados que a opinião pública e todos nós esperamos.

O senhor espera um novo depoimento de Marcos Valério mais revelador do que na vez anterior?

Entendo que sim, até por causa dos últimos acontecimentos, da conversa que o senhor Marcos Valério teve na Procuradoria da República, além das divergências que foram detectadas no depoimento dele à CPI. O depoimento vai ser muito diferente do outro. Havia uma série de documentos que estavam sendo incinerados, tudo isso cria um novo cenário que vai levar o senhor Marcos Valério a adotar uma postura mais pró-ativa com relação à CPI.

Concorda com a redução de pena em troca de informações?

Depende muito do que ele conversou na Procuradoria. É previsto pela Constituição, é absolutamente possível.

Com as acusações de deputados que recebiam mensalão e de um esquema muito bem organizado para distribuição desse dinheiro, mandatos serão cassados ao fim das investigações?

Não existe nenhuma comprovação, mas depois das informações que receberemos, teremos toda a possibilidade de constatar a movimentação bancária, quem sacava, os destinos e até, na análise mais crítica, levar ou não a algum parlamentar. Vai depender dos dados.

A comissão tem informações que serão encaminhadas às CPIs dos Bingos e do Mensalão?

Inegavelmente a CPI dos Correios está muito à frente. Com as informações que a CPI vai receber, não tenho dúvida de que vai alimentar as outras. Sem nenhum demérito aos demais quadros nas outras CPIs, a equipe escalada para a dos Correios, tanto do governo quanto da oposição, é muito consistente. Sem dúvida a CPI dos Correios está disparada na frente, se comparar com as outras.

A CPI tem dificuldade de obter informações bancárias fundamentais. Existe blindagem do Banco Central orientada pelo Planalto?

Prefiro entender que as dificuldades são de ordem burocrática. Mas temos todos os instrumentos na CPI, se as informações não chegarem, para utilizar inclusive o instrumento de busca e apreensão, que é delegado ao presidente da CPI.

Como é o comportamento do Planalto diante da CPI?

Acho que o Palácio do Planalto deveria se inteirar mais dos acontecimentos e dos trabalhos da CPI. Sentimos uma falta muito grande de uma interlocução. Eu cheguei a sugerir ao presidente Lula que se fizesse um gabinete de crise para que efetivamente essas questões fossem avaliadas, pela complexidade e pela gravidade que têm. Essa posição de talvez segregar, separar e deixar que essa crise fique circunscrita ao Congresso é uma visão equivocada. Até porque a crise atinge vários segmentos do Poder Executivo e isso não pode ser desconsiderado.

O presidente Lula sabia como o PT operava estes altos valores nos bancos, como o ex-tesoureiro Delúbio Soares e o ex-ministro José Dirceu agiam?

O presidente Lula é um homem de bem, tanto que é reconhecido por toda a população, tem compromisso com a ética. Acredito que o presidente não tinha conhecimento de muitos problemas que estão ocorrendo. Até porque, se tivesse, teria tomado as providências devidas.

Há flagrantes e novas denúncias a cada dia. Onde isso vai parar?

Temos de adotar postura ofensiva, não subestimar nem desqualificar as denúncias e procurar apurar tudo. Como diz o presidente, doa a quem doer. Se atingir o PT, é melhor que atinja e a gente passe a limpo, até porque o partido é maior. Não podemos ficar patinando. Temos de assumir que há uma situação de crise que exige ousadia e coragem e assumir os erros que foram cometidos.

Semana que vem haverá dois depoimentos importantes na CPI, do ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares e do ex-secretário-geral Silvio Pereira. Acha que eles vão acrescentar algo novo ou adotar a linha de negar tudo?

A não ser que algum fato apareça, vão ser depoimentos precavidos, cautelosos. Para mim não é uma coisa fora de contexto, é natural em função do momento que o próprio Silvio Pereira e Delúbio vivenciam, no PT e junto da opinião pública.

Os R$ 400 mil encontrados com o assessor do PT José Adalberto Vieira devem ser objeto de investigação da CPI?

Por enquanto não. Precisamos tomar muito cuidado porque são tantas as denúncias que, se quisermos trazer tudo para a CPI dos Correios, vamos investigar tanta coisa e não vamos investigar nada. Temos uma estratégia na CPI que começou minimamente, com a denúncia dos R$ 3 mil de Maurício Marinho e hoje tem uma perspectiva muito mais ampliada.

Quais são os próximos passos?

Ao longo de julho, vamos nos aprofundar bastante nas investigações. Vamos sair um pouco dos holofotes uma semana e fazer um trabalho de mesa, um trabalho intelectual forte. Não tenho dúvida de que, com a massa de informações que temos e com o que já ouvimos e vamos ouvir, apresentaremos um trabalho que não vai desonrar nenhum membro da CPI.

As investigações mostram parlamentares recebendo mesadas, diretores de estatais envolvidos em corrupção. Que conclusões a CPI vai apresentar?

Primeiro, mostrar a grande relação de interesses que gravitava ou gravita em algumas empresas estatais, das empresas do senhor Marcos Valério. Esta CPI vai dar uma série de sugestões para a melhoria da gestão pública e por último vão surgir propostas focadas no arcabouço eleitoral hoje vigente.

O custo para o PT será provavelmente irreparável. Como integrante do partido, o senhor acha que vale a pena ir até o fim?

Não generalizo nem radicalizo, acho que não é irreparável, mas evidentemente isso tem um preço, principalmente para o PT, que tem uma história de ética. Potencialmente prejudica a imagem do partido e por isso temos de ser agressivos. Reconhecer e separar o que não é bom, porque o PT é maior.

Tem salvação para o PT nas eleições de 2006 ou é melhor pensar logo em 2010?

Tem salvação, mas é preciso agir e o momento é esse.

O senhor se arrepende de ter mudado do PSDB para o PT?

Não. Enfrentei muitas dificuldades, mas não me arrependo. A despeito de algumas desconfianças, o PT tem me prestigiado. Apesar de algum desentendimento, é assim mesmo. Fernando Pessoa diz que, quem questiona muito, a vida não entende. Não sei se entendo a vida, mas parei de perguntar.

O seu futuro é no PT?

Acho que sim, que posso ajudar o partido. A CPI pode ser muito rigorosa com o PT e outros partidos. Pode castigar o PT, mas também pode ser a redenção. Pode ajudar o PT a sair desse sufoco. O momento que o Brasil enfrenta é o de passar a limpo.