Título: O combate à corrupção no governo
Autor: Dom Cláudio Hummes
Fonte: O Estado de São Paulo, 20/07/2005, Espaço Aberto, p. A2

Numerosas denúncias e sérios indícios de ampla e intrincada rede de corrupção atingem neste momento o governo federal, instituições públicas, membros do partido que está no poder e de outros partidos políticos. A investigação já está em andamento. Nós, o povo brasileiro, estamos profundamente abalados e indignados. Exigimos que tudo seja plenamente investigado, esclarecido e, se houve crimes, que os culpados sejam realmente punidos segundo a lei, pois a impunidade alimenta a corrupção. Diante deste quadro, muitos já se manifestaram publicamente. Também a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Em mensagem ao povo brasileiro, de 23 de junho passado, ela diz: ¿O Brasil, uma vez mais, está desafiado a combater a corrupção política, que se nutre da impunidade. Ela é acobertada pela conivência, que se torna cumplicidade, usando as estruturas do poder político em benefício de interesses privados. A apuração das recentes denúncias é imprescindível. Não pode ser esvaziada, sob qualquer pretexto.¿

A Igreja assim reage dentro do princípio da autonomia que rege seu relacionamento com o governo. Ela e nós, pastores, que representamos a Igreja, não devemos abrir mão desta autonomia, mas exercê-la, sobretudo quando é necessário emitir uma crítica construtiva no campo da ética na política, mantendo-nos distantes de envolvimento partidário. Por outro lado, a Igreja quer contribuir para a manutenção e o fortalecimento das instituições públicas democráticas e do Estado de Direito, que devem prevalecer sobre as crises políticas que periodicamente ocorrem.

Por essa razão, queremos também contribuir para que o povo não perca a esperança nem apele para o cinismo, neste momento de desencanto e indignação diante de políticos corruptos, que ameaçam um governo tão esperado e festejado pela maioria da população que o elegeu e se orgulhou, com razão, por ter levado ao poder presidencial um metalúrgico, um torneiro mecânico, portanto, alguém das camadas populares.

Não se pode cair no cinismo, dizendo que, se os lá de cima são corruptos, então, todos podem sê-lo e se vire cada um como puder! Aliás, os políticos não são todos corruptos. O presidente Lula continua preservado. Cabe, então, reagir positivamente, procurando combater a corrupção, viver e exigir a ética em todos os níveis da vida pública, social e individual. Também não se deve cair na desesperança, mas acreditar na possibilidade real de se continuar a construção de um Brasil que vença a desigualdade social, a miséria e a fome, um Brasil justo, fraterno, próspero para todos, e não apenas para alguns, construção essa já iniciada, sem dúvida, antes do atual governo. O processo histórico de construção de um Brasil moderno e justo é e deve ser maior do que um governo ou um partido.

Certamente não bastará punir os corruptos, mas urge também finalmente fazer a reforma política, que ataque nas raízes a endêmica corrupção e aperfeiçoe a democracia. Então, a crise atual poderá gerar um salto de qualidade para frente. O povo exige este salto. Mas precisa haver vontade política no Congresso Nacional e no Executivo para que a crise não se torne oportunidade perdida de avanço real nem sirva de trampolim para interessados em se promover politicamente, sem atenção ao bem comum, aproveitando um momento de fragilidade. O País tem todas as condições de vencer a crise e continuar avançando na definição e construção de um verdadeiro e integral progresso para todos os brasileiros.

Não cabe à Igreja se pronunciar sobre questões técnicas da reforma política, mas ela deve contribuir com critérios éticos. A mensagem da CNBB, que citei, declara: ¿O poder econômico, a multiplicidade de partidos políticos sem programas definidos e a falta de fidelidade partidária fragilizam sempre mais o nobre sentido da política e frustram o voto do eleitor. O atual sistema administrativo e eleitoral brasileiro favorece o clientelismo e a corrupção. A responsabilização, a punição dos culpados, bem como a restituição dos bens subtraídos não deverão, pois, relegar ao esquecimento o desafio maior: a reforma do Estado e do próprio sistema político.¿ Por exemplo, percebe-se que atualmente, em conseqüência da legislação partidária e das práticas políticas, se torna difícil um partido sozinho eleger um governo e ao mesmo tempo dar-lhe suficiente maioria no Congresso Nacional para uma normal governabilidade, com a conseqüência de precisar negociar alianças para ter uma base parlamentar suficiente, o que pode abrir as portas da corrupção, da compra e venda de apoio.

O papa atual, num discurso, dia 16 de junho, a um grupo de embaixadores, disse em poucas palavras o que significa ética na administração pública: ¿Os que aceitaram administrar os negócios públicos¿ devem fazê-lo ¿não para si mesmos, mas em vista do bem comum.¿

A ética constitui-se num valor maior, que deve ser buscado e defendido constantemente. Ela exige respeito à dignidade e à igualdade fundamental de direitos de todos os seres humanos e de cada um, bem como respeito e justiça no que se refere à administração das coisas públicas e ao bem comum da sociedade.

Resultará no fortalecimento do tecido social e na melhoria da convivência humana. Na verdade, a ética necessita ser construída e reconstruída em cada pessoa e em cada geração no dia-a-dia da vida, a partir das pequenas coisas. Disse Jesus: ¿Quem é fiel nas pequenas coisas será também fiel nas grandes e quem é injusto nas coisas pequenas sê-lo-á também nas grandes¿