Título: Igreja Universal, o reino sob suspeita
Autor: Eduardo Nunomura
Fonte: O Estado de São Paulo, 17/07/2005, Nacional, p. A10

Segundo um procurador, apesar da lista de acusações que pesam sobre igreja e dirigentes, "dízimo pode justificar quase tudo"

CRISE NO GOVERNO LULA As sete malas apreendidas com R$ 10,2 milhões da Igreja Universal do Reino de Deus vieram do dízimo dos fiéis, apressou-se em justificar o bispo João Batista Ramos da Silva, eleito deputado pelo PFL-SP e expulso do partido na semana passada. Havia ali R$ 2 mil em notas seqüenciais, um punhado de cédulas falsas, pouquíssimas de R$ 5 e nenhuma de R$ 1 ou R$ 2, muito comuns nas ofertas dos fiéis. Nenhuma folha de cheque. Dados suspeitos que podem ser ignorados, caso o Supremo Tribunal Federal (STF) considere que a Polícia Federal não tem competência para investigar, já que o bispo tem foro privilegiado. E, assim, mais um caso aumentará o rol de investigações contra a poderosa Universal que não são levadas adiante. A lista de acusações criminais contra a Universal e seus dirigentes é extensa: sonegação, fraude fiscal, lavagem de dinheiro, corrupção ativa, evasão de divisas, contrabando e falsidade ideológica. Isso sem contar ações de dano moral e estelionato movidas por ex-fiéis que se sentem lesados ou ludibriados. "Há uma dificuldade gigantesca em se provar qualquer coisa contra a Universal", comentou um procurador da República. "O dízimo pode justificar quase tudo."

O bispo Edir Macedo tem até o dia 3 para apresentar na 39.ª Vara Cível de São Paulo sua contestação em ação que um empresário move contra ele. Ex-obreiro, o ex-deputado evangélico Waldemar Alves Faria Junior quer reaver doação de US$ 3,2 milhões feita para o criador da Universal em 1997. Ele já foi um dos maiores dizimistas. Afirmando que estava cego pelo "fervor e amor" à religião, doou até um BMW blindado. Tudo para ajudar Edir Macedo, que dizia precisar de um empréstimo. "Ninguém obrigou", justificou o bispo João Batista.

Entre os procedimentos instaurados pelo Ministério Público Federal (MPF), está um outro envolvendo o empresário e Edir Macedo. Dono de uma empresa de telesorteios, a Abba Produções e Participações, Faria Junior pagou mais de R$ 15 milhões entre 1997 e 1999 à Rede Record pela veiculação de anúncios dos sorteios 0900. Mas esse tipo de jogatina foi proibida em julho de 1998, e a cobrança feita com duplicatas posteriores a essa data.

No Supremo, há dois inquéritos que investigam membros da Igreja Universal, entre eles o senador Marcelo Crivella e o bispo João Batista. Em um deles, de falsidade ideológica e crime contra o sistema tributário, eles são acusados de terem permanecido como dirigentes da TV Cabrália, na Bahia, ao assumirem seus mandatos parlamentares. "Esse processo é um besteirol", disse o bispo (ver entrevista abaixo). "O Ministério das Comunicações não transferiu a tempo (a razão societária). Assinei uma procuração para outra pessoa administrar."

PARAÍSO FISCAL

O outro inquérito relaciona-se a suposto envolvimento da Universal com duas empresas offshore - a Cableinvest e Investholding - usadas na compra da TV Record do Rio e de outras emissoras. Essas empresas seriam do senador Crivella e, entre 1992 e 1994, movimentaram US$ 18 milhões.

Na ação, consta que a operação de remessa e recebimento dos US$ 18 milhões caracteriza "evasão de divisas, manutenção de depósitos no exterior sem conhecimento de autoridade federal e sonegação". Nesse inquérito está o depoimento de um ex-integrante da igreja que declarou que, na compra da TV Record, o pagamento foi feito com malas de dinheiro.

Há mais de dez anos o MPF investiga suposta prática de crimes de sonegação de impostos e de falsidade ideológica na operação de compra da Rede Record e emissoras de rádio e TV pela Universal. Há suspeitas de que esses contratos eram de gaveta, para permitir a rápida mudança de seus acionistas.

Nem todos conseguem seguir na Justiça. Um exemplo foi uma denúncia da promotoria contra Edir Macedo e a diretoria da TV Record recusada por não ter sido precedida por um inquérito policial, embora baseada em extensa investigação da Receita Federal. Quem vetou a investigação? O juiz João Carlos da Rocha Matos, preso na Operação Anaconda.

Em dezembro, a Operação Perseu, da Polícia Federal, mirou o Grupo Margem, o segundo maior frigorífico do País, e acabou flagrando operação suspeita envolvendo o reino de Edir Macedo. A igreja estava interessada em vender um jato Learjet à empresa por US$ 2,2 milhões, mas era impedida por não conseguir certidão negativa. A Universal tinha dívida superior a R$ 15 milhões. A PF descobriu que a igreja pagou R$ 300 mil para um escritório de advocacia obter a certidão. "Ela não poderia ter conseguido isso, pois tinha dívidas na Previdência", disse o delegado Edgar Paulo Marcon.