Título: Nenhum papa pode alterar o matrimônio, diz cardeal
Autor: José Maria Mayrink
Fonte: O Estado de São Paulo, 25/06/2005, Vida&, p. A22

Segundo Martino, do Conselho de Justiça e Paz, alguns valores jamais serão mudados

O cardeal Renato Raffaele Martino, presidente do Pontifício Conselho Justiça e Paz, que veio a São Paulo para o lançamento do Compêndio da Doutrina Social da Igreja (Paulinas, 528 págs., R$ 45,40), disse ontem ao Estado que Bento XVI seguirá no campo social a pauta de João Paulo II. "Vemos que Bento XVI está surpreendendo com gestos, ações e discursos que mostram uma sensibilidade muito aberta", observou o cardeal, para mostrar que, dois meses após a posse, o novo papa já apresenta um perfil bem diferente do que o de Joseph Ratzinger como prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé. Martino, que dirige o Conselho Justiça e Paz desde outubro de 2002, adverte que a Igreja não deixará de defender os direitos do homem no pontificado de Bento XVI, porque essa é a sua missão. "A Igreja tem o dever de denunciar as injustiças, sem medo das conseqüências", disse o cardeal, acrescentando que esse tem de ser um compromisso de todos os católicos e não apenas da hierarquia.

Ao apresentar o Compêndio da Doutrina Social da Igreja, Martino lembrou valores e princípios que, conforme salientou, jamais sofrerão qualquer alteração, não importando quem seja o papa. "A indissolubilidade do matrimônio, por exemplo, não é invenção desse compêndio, mas uma regra que Jesus impôs ao constituir a Igreja.

"O matrimônio é união entre um homem e uma mulher, e isso não pode mudar em nenhum caso", disse Martino, para justificar o veto do Vaticano ao casamento entre pessoas do mesmo sexo. "Nenhum papa tem autoridade para alterar essa situação", insistiu. Essa intransigência em defesa da instituição não significa desprezo pelos homossexuais, segundo o cardeal. "Os homossexuais são seres humanos que têm os mesmos direitos e devem ser respeitados."

Com relação aos católicos que se divorciaram e partiram para uma nova união, os recasados, Martino reafirmou a orientação pastoral do Vaticano: que sejam acolhidos na comunidade cristã, embora não possam participar dos sacramentos da Penitência (confissão) e da Eucaristia (comunhão).

Um pouco diferente é a situação dos fiéis que se divorciaram, não casaram de novo e querem receber os sacramentos. "Não se pode adotar uma regra única, pois é preciso examinar cada caso", aconselha o cardeal, explicando que cabe aos bispos e aos padres verificar até que ponto o homem ou a mulher foi responsável pela quebra do vínculo matrimonial.

O Compêndio da Doutrina Social da Igreja, afirmou Martino, mantém a opção preferencial pelos pobres, principal tese da Teologia da Libertação. "A Igreja sempre fez a opção pelos pobres, mas dentro do conceito de libertação de que João Paulo II e o então cardeal Ratzinger falaram em Puebla." Nessa reunião dos bispos latino-americanos, realizada no México, em 1979, o papa censurou a conotação ideológica e marxista que se dava à palavra libertação.

Outros itens de destaque no livro lançado pelo Conselho Justiça e Paz referem-se à criança, à luta armada e ao terrorismo. Martino destacou os abusos contra os direitos da criança, "que sofrem violência desde o seio materno, quando se pratica o aborto". São mais de 45 milhões de casos por ano, disse o cardeal.

"Outro exemplo de abuso é o dos meninos soldados, crianças treinadas para matar, desde os 8 anos de idade", advertiu Martino, afirmando que isso ocorre na Colômbia e em vários países africanos.

A Igreja, disse o cardeal, condena o terrorismo, "porque não é esta a maneira de reivindicar alguma coisa, mesmo que seja uma causa justa". Falando sobre a luta armada, Martino lembrou que João Paulo II se pronunciou contra a guerra do Iraque e não aprovou a guerra preventiva.