Título: Sem verba, programa do País na Antártida está ameaçado
Autor: Ricardo Westin
Fonte: O Estado de São Paulo, 25/06/2005, Vida&, p. A22

Menos de 10% do dinheiro recebido vai para as pesquisas; recursos são consumidos pela área operacional

A falta de dinheiro está ameaçando a presença do Brasil na Antártida. Neste ano, quando se completam três décadas que o País aderiu ao Tratado da Antártida, o programa brasileiro de exploração científica do continente gelado recebeu aproximadamente R$ 3,5 milhões. Desse total, apenas R$ 300 mil - menos de 10% - foram destinados às pesquisas. A grande parte foi aplicada na parte operacional do programa. Na Estação Comandante Ferraz, a parte mais conhecida do Programa Antártico Brasileiro (Proantar), laboratórios carecem de reforma e equipamentos novos. Os pesquisadores que precisam ir mais dentro do continente usam barracas desgastadas e tratores polares ultrapassados para enfrentar a neve. Para estudar os peixes, é necessário improvisar armadilhas no mar gelado.

Para engrossar os R$ 3,5 milhões que já vêm "carimbados" (com destino específico) do Orçamento federal, o Comando da Marinha, que é responsável pela parte operacional, e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), que cuida das pesquisas, são obrigados a tirar dinheiro de suas próprias contas para injetar no Programa Antártico Brasileiro.

"Quando se faz a distribuição do Orçamento, não se considera o Programa Antártico como estratégico para o País", lamenta o almirante José Eduardo Borges de Souza, secretário da Comissão Interministerial para os Recursos do Mar, o órgão responsável pelo Proantar.

A desproporção financeira entre ciência e logística engana. Os R$ 3,2 milhões que são administrados pela Marinha também são insuficientes. Apenas a manutenção do navio Ary Rongel, que uma vez por ano percorre o trajeto entre o Rio de Janeiro e a Antártida, custa R$ 2 milhões e precisa ser feita anualmente. Os gastos com a embarcação só não são maiores porque a Petrobrás dá todo o combustível.

Para gastar menos, o período de estadia dos pesquisadores no verão (época mais propícia para as pesquisas) foi reduzido. Antes começava em dezembro e ia até o final de março. Agora acaba em meados de fevereiro.

De acordo com o almirante José Eduardo, a Estação Comandante Ferraz, que foi construída em 1984, precisa de uma reforma orçada em R$ 8 milhões. O sistema de tratamento de esgoto, por exemplo, já está em desacordo com as normas do Protocolo de Madri (um anexo do Tratado da Antártida assinado em 1991).

SINAIS DE FALÊNCIA

Os cientistas estimam que, em lugar dos R$ 300 mil destinados atualmente, as pesquisas necessitam de pelo menos R$ 4 milhões por ano. Além de tirar dinheiro de seu próprio orçamento, o CNPq conseguiu verbas do Ministério do Meio Ambiente para estudos relacionados ao clima. A principal condição para que um país fixe uma base no continente é a realização de pesquisas científicas.

"Embora pouca gente saiba, a Antártida afeta o dia-a-dia do Brasil, o nosso clima, a cadeia alimentar do Atlântico Sul. A visão que se tem é a de um lugar longe, exótico e cheio de pingüins. Não é para isso que fazemos expedições. Seria desperdício de recursos. Nosso trabalho tem aplicação concreta", diz o glaciólogo Jefferson Cardia Simões, coordenador de um dos estudos do Proantar.

A Comissão Interministerial para os Recursos do Mar tem procurado o Palácio do Planalto e o Congresso Nacional para tentar obter mais verbas para o Programa Antártico Brasileiro. No mês passado, por exemplo, levou uma equipe de três parlamentares para conhecer de perto as dificuldades do Proantar. Eles voltaram preocupados com o que viram.

"É uma estrutura de mais de 20 anos, que já apresenta sinais de falência. Precisa ser renovada e aprimorada", conta a deputada Ann Pontes (PMDB-PA). "Certamente o Brasil está destinando verbas para pesquisas mais importantes, mas ninguém está vendo quais", acrescenta a colega Maria Helena (PPS-RR).