Título: Médicos lutam contra novos cursos de Medicina
Autor: Adriana Dias Lopes
Fonte: O Estado de São Paulo, 20/07/2005, Vida&, p. A19

Mais de um terço dos 146 cursos de Medicina no Brasil começou a funcionar nos últimos quatro anos. "Dos 50 novos cursos, cerca de 20 foram abertos depois da moratória aplicada pelo Ministério da Educação (MEC) no ano passado", calcula Ronaldo Bueno, vice-presidente da Associação Médica Brasileira (AMB). Outros 20 estão na fila do MEC aguardando autorização para funcionar. A quantidade de cursos - e a qualidade deles - preocupa as duas mais importantes entidades médicas nacionais, a AMB e o Conselho Federal de Medicina (CFM). A moratória de 240 dias (suspensa em maio de 2004) conseguiu frear a abertura de cursos. Mas, depois, veio uma nova explosão.

Agora, o que as entidades querem é que o ministério reveja os critérios para a permissão de instalação de novos cursos e analise a possibilidade de uma nova moratória. "Estamos estudando a possibilidade de fazer com que a regulamentação fique mais rigorosa, modernizada", diz Nelson Maculan, da Secretaria do Ensino Superior do MEC.

"CENÁRIO SOMBRIO"

A medida tomada pelas entidades para pressionar o governo foi a elaboração de um relatório detalhado com o panorama da medicina no País e o seu envio para deputados e médicos. O título do documento tem força: Abertura de Escolas de Medicina no Brasil, Relatório de um Cenário Sombrio, 2ª edição. A distribuição dos 15 mil exemplares começou anteontem. "Queremos uma nova suspensão do MEC. Não é possível essa quantidade de médicos formados anualmente, com qualidade profissional duvidosa", critica Bueno. "Vamos pedir nas próximas semanas uma audiência com o novo ministro (Fernando Haddad, que substituirá Tarso Genro). Queremos que ele reveja a situação."

"Vamos brigar agora por uma medida mais efetiva. Independentemente do tempo de suspensão, queremos a participação de quem entende de saúde na abertura de escolas, o Conselho Nacional de Saúde (CSN)", conta Bueno. "O conselho vai ter mais influência na abertura de cursos", garante, de antemão, Nelson Maculan, do MEC.

O CSN não tem poder de decisão na abertura de um novo curso. "Eles são obrigados apenas a ouvir nosso parecer", informa Laura Feuerwerker, do Departamento de Gestão da Educação na Saúde do CNS. "Se tivessem de passar pelo crivo do CNS, muitas não seriam abertas", complementa Paiva, da AMB.

Os últimos 16 cursos abertos de abril para cá (o número inclui os de Medicina, Odontologia e Psicologia) não foram analisados pelo CNS e mesmo assim tiveram autorização do MEC. "Estamos fazendo um boicote. Até termos o direito de participar efetivamente, não vamos analisar os pedidos de abertura", revela Laura.

NOTA E

Um dos dados mais impressionantes do relatório, além da constatação de que cerca de 30% dos cursos foram abertos recentemente, é a média de notas do Exame Nacional de Cursos, o Provão, responsável pela avaliação dos cursos superiores até 2003. De 1999 a 2003 a quantidade de cursos de Medicina com nota E aumentou 55%, de acordo com o relatório. O da nota máxima (A) foi de 42%.

Outra reclamação das entidades médicas é com o número de profissionais. A cada ano são formados 10 mil médicos no Brasil. "O sistema de ensino não está preparado para formar tanta gente", avalia Eleuses Paiva, presidente da AMB. "Uma das provas é que 30% dos médicos não conseguem vagas para residência."

A distribuição de médicos também foi analisada pelas entidades. A maioria trabalha nas Regiões Sul e Sudeste. O Rio é o Estado com maior número de médicos, com proporção de 1 para cada 302 habitantes (ver quadro ao lado).