Título: Invasão chinesa?
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Fonte: O Estado de São Paulo, 25/06/2005, Notas e Informações, p. A3

A Câmara de Comércio Exterior (Camex) agiu com sensatez ao definir as regras para o uso das salvaguardas contra produtos chineses. Sem renunciar à possibilidade de recorrer a medidas de defesa de setores da economia nacional que estiverem ameaçados pelo aumento excessivo da entrada de produtos originários da China, o governo brasileiro decidiu que, antes de iniciar um processo para a aplicação dessas medidas, abrirá negociações com o governo chinês. A possibilidade de seus parceiros adotarem salvaguardas foi a condição que a China aceitou para ser admitida na OMC. No Brasil, a regulamentação das salvaguardas vinha sendo reivindicada com insistência por setores industriais que se sentem ameaçados pela invasão de produtos chineses no mercado doméstico.

A pressão era justificada. Com a promessa feita pelo Brasil, em novembro, de que reconheceria a China como economia de mercado, ficou mais difícil a proteção dos produtores brasileiros contra a concorrência desleal de um país onde os preços e custos são fortemente distorcidos. O mecanismo mais prático que restou ao País foi o das salvaguardas. Alguns números, como o aumento de 58% das importações da China nos primeiros cinco meses do ano e a queda de 4% das exportações brasileiras, mostram uma mudança rápida nas relações comerciais entre os dois países que recomenda o acompanhamento atento dessas transformações e a regulamentação de medidas de proteção autorizadas pela OMC.

Mas regulamentar essas medidas não significa obrigatoriamente seu uso imediato em quaisquer circunstâncias, como imaginavam empresários que se sentem prejudicados. E foi isso que a decisão da Camex ¿ que ainda será formalizada com a edição de decretos ¿ deixou claro. Antes do processo, será aberto um período de 30 dias para negociações com a China. Se não houver acordo nesse prazo, o Brasil poderá abrir o processo para aplicação de salvaguardas, impondo sobretaxas ou cotas até o encerramento das investigações.

Além de buscar o caminho da negociação, o Brasil deve também examinar se, de fato, as importações de produtos chineses prejudicam diretamente os produtores nacionais. Em certos casos, parece claro que o prejuízo existe ¿ e, nesses, pode ser necessária a negociação e até a adoção de medidas de proteção. Em outros, porém, o crescimento rápido das importações da China não significa redução do espaço no mercado doméstico para os produtos brasileiros.

Estudo do Conselho Empresarial Brasil-China, que reúne empresários interessados em impulsionar o comércio bilateral, mostra que, pelo menos no caso de quatro produtos ¿ entre os quais os têxteis, que tanto têm preocupado os industriais brasileiros do ramo ¿, o que está ocorrendo é o deslocamento de tradicionais fornecedores do Brasil, como os EUA, a União Européia e a Argentina, pela China.

Baseado em dados da Secretaria de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento, o estudo reconhece que as importações de produtos têxteis da China quadruplicaram entre 2000 e 2004. Com isso, a participação da China no total de produtos têxteis importados pelo Brasil saltou de 7,2% em 2000 para 17,6% no ano passado.

Apesar de muito rápido, esse aumento da entrada de produtos chineses não significou a redução da fatia dos produtos nacionais no mercado doméstico. Na verdade, o que ocorreu foi a redução da fatia de outros fornecedores externos (as importações vindas dos EUA caíram 13,3%, da União Européia diminuíram 15,1% e da Argentina, 41,9%).

Fenômeno semelhante ocorre também no caso das importações brasileiras de calçados, de máquinas e equipamentos mecânicos e de máquinas e aparelhos elétricos. A China vem ocupando o espaço que era de produtos vindos de outros países.

A participação chinesa não cresce apenas no mercado brasileiro. É um fenômeno mundial e se deve, em boa parte, à migração de muitas empresas dos países industrializados para o território chinês. Uma análise serena do desempenho dos produtos fabricados pela China no mercado brasileiro deve levar em conta esses fatos.