Título: Bispos pedem apuracao de denúncias e prometem rezar pelo presidente
Autor: Leonencio Nossa
Fonte: O Estado de São Paulo, 25/06/2005, Nacional, p. A5

Bispos vão ao Planalto discutir a crise com o presidente e lhe dizem, em carta, que apuração das denúncias 'é imprescindível' e não pode ser esvaziada; repudiam também os que sugerem uso de 'medidas de força'

"O Brasil, uma vez mais, está desafiado a combater a corrupção política que se nutre da impunidade. Ela é acobertada pela conivência, que se torna cumplicidade, usando as estruturas do poder público em benefício de interesses privados. A apuração das recentes denúncias é imprescindível. Não pode ser esvaziada, sob qualquer pretexto. A corrupção consiste não apenas em delitos individuais, mas em práticas existentes em estruturas da sociedade, sobretudo no funcionamento do sistema político. O poder econômico, a multiplicidade de partidos políticos sem programas definidos e a falta de fidelidade partidária fragilizam sempre mais o nobre sentido da Política e frustram o voto do eleitor. O atual sistema administrativo e eleitoral brasileiro favorece o clientelismo e a corrupção. A responsabilização, a punição dos culpados bem como a restituição dos bens subtraídos não deverão, pois, relegar ao esquecimento o desafio maior: a reforma do Estado e do próprio sistema político. Normas institucionais, por si mesmas, não são suficientes para frear os vícios exacerbados pela busca de poder. A sociedade, através de suas organizações, deve exercer o controle social, vigiando e cobrando a atuação dos poderes públicos. Nesse sentido, um passo importante é a urgente regulamentação do Art. 14 da Constituição Federal sobre Plebiscito, Referendo e Iniciativa Popular. Isso constitui complemento fundamental à reforma institucional, contribuindo para a mudança da cultura política no país. A parceria entre um governo democraticamente eleito e a sociedade é fundamental para colocar o país no caminho da dignidade e da respeitabilidade. Confiamos, para isso, no discernimento e firmeza da Presidência da República e demais instituições públicas. É motivo de esperança reconhecer em nosso país a existência de iniciativas e de movimentos, com destacada presença de cristãos, desempenhando papel relevante, através de mobilizações e novas práticas sociais. Lembramos aos nossos políticos o que o Espírito nos diz no Livro da Sabedoria: "Amai a justiça, vós que governais a terra" SB 1,1. Conclamamos todo o povo brasileiro a que se una no grande mutirão pela ética e pela cidadania, para debelar a corrupção e consolidar a democracia." Leonencio Nossa BRASÍLIA Numa conversa de "amigos" no Palácio do Planalto, a cúpula da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) entregou ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva uma dura carta pedindo reforma política e a punição dos corruptos. Mas os bispos asseguraram ao presidente, na audiência, que vão "orar" para que o governo consiga sair da atual crise política. Foram os próprios dirigentes da CNBB que propuseram pedir a intervenção e a proteção divinas. "Isso mesmo, façam isso", disse Lula ao ouvir a manifestação, relatou o vice-presidente da entidade, d. Antônio Queirós. A carta entregue a Lula pede combate à impunidade e o fim das ações para esvaziar as apurações das denúncias. "A apuração das recentes denúncias é imprescindível. Não pode ser esvaziada, sob qualquer pretexto", destaca a "Mensagem da CNBB ao Povo Brasileiro", texto que foi divulgado anteontem.

TORMENTA

O cardeal e presidente da CNBB, d. Geraldo Majella Agnelo, disse que Lula garantiu empenho em apurar as denúncias e fazer a reforma política. Agnelo avaliou que a corrupção é uma febre endêmica, que "de vez em quando" volta com mais força. Ele relatou que Lula demonstrou tranqüilidade na audiência. "Penso que todos que se sintam no meio de uma tormenta não podem se sentir tanto à vontade, mas ele (Lula) está tranqüilo, sim, está sereno", disse. "O presidente não foge e não quer fugir de entrar a fundo e conhecer a fundo tudo o que for levantado." A CNBB repudiou declarações de setores que defendem "medidas de força" para resolver a crise. D.Geraldo disse que, embora haja"clamor" para o governo combater a corrupção, todos devem estar preocupados em preservar as instituições. "Não podemos aceitar nenhuma medida ou solução que ponha em xeque ou que destrua as nossas instituições", disse. "Não discutimos os bastidores (da crise)", disse d. Geraldo. Os bispos pediram empenho do governo em fazer mudanças no Estado. Eles ainda reclamaram do oportunismo de setores da oposição. "Sempre haverá aqueles que querem aproveitar das águas turvas", afirmou d. Geraldo.

Já d. Antônio Queirós, vice-presidente da CNBB, avaliou que há um jogo político, que é normal numa democracia. "É preciso, no entanto, purificar esse jogo", disse. "O próprio presidente Lula disse que tomou a iniciativa de propor uma reforma política para atender aos anseios do povo e do País."