Título: Salvaguardas saem até novembro
Autor: Denise Chrispim Marin
Fonte: O Estado de São Paulo, 21/07/2005, Economia & Negócios, p. B5

Os governos do Brasil e da Argentina deverão fechar, até o dia 30 de novembro, um pacote de "soluções" para as pendências bilaterais. Nesse pacote, estará uma das idéias mais repudiadas pelo governo brasileiro até junho - a adoção de um mecanismo de salvaguardas no Mercosul.

Embora rebatizadas como cláusulas de adaptação competitiva, as medidas continuarão a manter seu objetivo original: o de limitar de desembarques de produtos do país vizinho, por meio de cotas ou de sobretaxas, nos casos em que os aumentos de importações prejudiquem os fabricantes locais.

Principal foco de tensão entre os dois sócios do Mercosul desde meados de 2003, as salvaguardas deverão ser anunciadas, por ironia, no dia das celebrações do Dia da Amizade Brasil-Argentina e dos 20 anos da Declaração de Iguaçu, que deu origem ao bloco econômico.

Fontes do governo afirmam que ainda não há um esboço claro desse mecanismo de salvaguardas. O Brasil insiste em três vertentes.

Primeiro, que não haja gatilhos, como pretendiam os argentinos. Ou seja, que um país não tenha a liberdade de adotar cotas e sobretaxas em qualquer sinal de aumento de importações.

Seria preciso, antes, a confirmação do dano sofrido pelo setor concorrente nacional e de sua relação com a elevação de desembarques.

E o governo brasileiro tampouco concorda que essa proteção seja unilateral - sem prévia consulta ao país cujos embarques serão afetados - e sem prazo definido.

Isso significa que o Brasil insiste em adotar um mecanismo bastante próximo daquele prescrito pela Organização Mundial do Comércio (OMC) em vez de acatar a nova fórmula desenvolvida pela Argentina, a mesma enviada por fax aos gabinetes dos ministros brasileiros no primeiro semestre.

"Os negociadores brasileiros não podem mais negar que haja assimetrias e desequilíbrios no comércio entre o Brasil e a Argentina, que precisam ser corrigidos", afirmou uma fonte, referindo-se ao principal argumento de Buenos Aires em favor das salvaguardas.

"As salvaguardas acabaram aceitas, por resignação, pelo Brasil."

Por uma questão de princípios, o governo brasileiro manteve-se contrário às salvaguardas sob o argumento de que significariam um retrocesso nas regras do livre comércio do Mercosul.

Na última rodada de negociações, no dia 7, no Rio de Janeiro, o Brasil cedeu.

O lado argentino pelo menos concordou com a eliminação do gatilho na receita das salvaguardas.

SETOR AUTOMOTIVO

O retrocesso no grau de liberalização do comércio do Mercosul deverá ser reforçado pela decisão do Brasil e da Argentina de prorrogar o livre comércio do setor automotivo por dois anos, de 2006 para 2008.

A medida começa a ser negociada pelos dois governo em agosto e poderá também ser anunciada em 30 de novembro.

Ela envolveria mudanças pontuais nas regras para as trocas de veículos e autopeças.

Em 2006, os dois lados tentariam iniciar uma negociação mais ampla, sobre a distribuição de investimentos do setor entre os quatro países.

Outro recuo no Mercosul poderá ser observado na preservação de regimes especiais de importação de bens de capital e de bens de informática e de telecomunicações, que deveriam ser extintos a partir de 1.º de janeiro. Tratam-se de alíquotas de importação menores ou maiores que a Tarifa Externa Comum do Mercosul (TEC), aplicadas como forma de manter o abastecimento interno ou de evitar uma concorrência indesejável.

A tendência será harmonizar os diferentes regimes adotados pelos sócios e mantê-los até 2008. A tarefa já foi cumprida no caso de bens de capital, com a redução de tarifas para itens não fabricados no bloco.