Título: Teles enfrentam desafio do conteúdo
Autor: Renato Cruz
Fonte: O Estado de São Paulo, 24/07/2005, Economia & Negócios, p. B8

Modelo criado com a privatização da Telebrás não previu o fim das barreiras entre telecomunicações e radiodifusão

Na próxima sexta-feira, a privatização do Sistema Telebrás faz sete anos e o modelo implantado desde então enfrenta uma série de desafios. Um dos principais é a convergência, que permite às operadoras de telecomunicações distribuir conteúdo audiovisual, transformando-as em concorrentes diretas das empresas de comunicação de massa. As empresas de televisão pedem revisão das regras, num momento em que um ex-repórter de TV, Hélio Costa, assumiu a pasta das Comunicações. "A privatização das telecomunicações foi seguramente uma das maiores obras sociais que um governo já fez", afirma o presidente do Grupo Telefônica no Brasil, Fernando Xavier Ferreira. "De um produto elitizado, o telefone transformou-se em um serviço ao alcance de quase a totalidade da população." A convite do ex-ministro Sérgio Motta, Xavier tornou-se secretário-executivo do Ministério das Comunicações no início de 1995. Em novembro do mesmo ano, assumiu a presidência da Telebrás, tornando-se o último dirigente da estatal. Após a privatização, assumiu a presidência do grupo espanhol no País. A seguir, trechos da entrevista concedida ao Estado.

Qual sua opinião sobre a proposta do ministro de reduzir o valor da assinatura básica?

Na sexta-feira, estivemos com o ministro e saímos animados com o grau de diálogo que ele apontou quanto à assinatura básica, essencial para o equilíbrio do modelo de prestação de serviços. Cremos que dentre vários caminhos para atender as camadas mais desfavorecidas estão os planos alternativos. É claro que a liberação dos recursos do Fust (Fundo de Universalização das Telecomunicações) não pode ser excluída desta discussão e, neste sentido, percebi que o ministro está empenhado em acelerar uma solução definitiva para essa questão.

Como o senhor vê a proposta de harmonizar as regras de telecomunicações e radiodifusão?

Acho que há situações em que o próprio mercado e a própria tecnologia acabam determinando o cenário futuro. A transformação de telecomunicações em um canal não só de voz, mas de conteúdo, é uma realidade quase inevitável. Sei que o governo tem a previsão de emitir uma Lei de Comunicação de Massa, onde eventualmente essa matéria pode ser abordada, mas creio que isso terá de evoluir dentro do princípio básico de que as operadoras, necessária e automaticamente, irão servir de caminhos naturais daquilo que compõe o chamado triple play: conteúdo, voz e internet.

Qual foi sua participação na equipe do ex-ministro Sérgio Motta?

A minha incorporação foi como secretário-executivo do Ministério, com a tarefa de me ocupar do projeto de privatização. Acabei visitando alguns países que eram tidos como casos de sucesso. Estive na Austrália, nos Estados Unidos, na Inglaterra, na Alemanha e na França. O resultado foi um relatório em que recomendava a contratação de uma consultoria de renome internacional. Fizemos um processo de licitação via UIT (União Internacional de Telecomunicações) e resultou vencedora a McKinsey. Num momento de máxima importância, nos foi colocado que o processo de privatização poderia atingir inúmeros objetivos, alguns até conflitantes. Isso levou a um grande brainstorm na equipe. Foram selecionados cinco objetivos, num processo referendado pelo presidente.

Quais eram os objetivos?

O primeiro era fortalecer o papel regulador do Estado e eliminar o seu papel de empresário. O segundo, aumentar e melhorar a oferta de serviços. O terceiro era, num ambiente competitivo, criar oportunidades atraentes de investimento e de desenvolvimento tecnológico industrial. O quarto: criar condições para que o crescimento do setor fosse harmônico com as metas de desenvolvimento social do País. E, por fim, maximizar o valor de venda das estatais, sem prejudicar os objetivos anteriores. Muitas vezes é questionado se o Sistema Telebrás foi mal vendido, ou o preço talvez não tenha sido adequado. Pelo contrário. O governo, naquela ocasião, tinha de 17% a 19% do capital e a sua participação foi vendida por US$ 19 bilhões. Isso equivaleria a atribuir um valor total de cerca de US$ 100 bilhões à Telebrás. Se formos verificar o valor das empresas mundiais, apenas a maior, a Vodafone, tem um valor de mercado acima de US$ 100 bilhões. A segunda empresa, a Verizon, está com valor da ordem de US$ 80 bilhões.

De que forma tecnologias como a voz sobre internet mudam o setor?

É incontestável o caminho de oferecer, por meio do canal de acesso ao cliente, os serviços regulares de voz, mais dados, mais internet, mais vídeo. Acho que é inevitável. O que talvez seja mais difícil de a gente visualizar é o momento exato em que essas coisas acontecerão, e também ter uma visão clara de até onde a regulação pode evoluir de maneira a liderar esse processo, para que aconteça de maneira organizada. Sei que não é uma matéria fácil. Mesmo se pesquisarmos em países europeus ou nos Estados Unidos, ainda há muita cautela.

É preciso fazer alguma coisa agora?

Não diria que tem de ser feita agora, mas eu acho que a gente vive num momento de muita observação de como as coisas vão se equacionando. Voz sobre IP (sigla em inglês de Internet Protocol) é uma realidade incontestável. Evidentemente que as concessionárias de telefonia fixa terão de ter a sua estratégia de como entrar nesse mercado e efetivamente faz parte do planejamento de qualquer dessas empresas. Mas são questões que ainda estão em processo de evolução.