Título: Faculdade na Rússia? Basta o idioma
Autor: Renata Cafardo
Fonte: O Estado de São Paulo, 24/07/2005, Vida&, p. A26

Com ajuda de associação, muitos brasileiros têm escolhido estudar no país, a um custo anual de menos de US$ 2 mil

Falar russo parece um simples obstáculo para brasileiros desanimados com concorridos vestibulares em universidades públicas daqui e sem dinheiro para pagar as particulares. Com a ajuda de uma associação que chegou neste ano ao País, jovens têm optado por cursar a faculdade - na maioria dos casos, de Medicina - na Rússia. Lá, o custo anual do curso é de menos de US$ 2 mil, e estrangeiros nem precisam fazer vestibular. Só uma prova de russo. O primeiro grupo de brasileiros embarca em setembro. Até uma espécie de sistema de cotas - só para o Brasil - foi criado na Rússia. A Academia Médica Sechenov (MMA), em Moscou, que ficou atrás apenas da francesa Sorbonne em um ranking da Unesco com melhores universidades de Medicina do mundo, reservou este ano 70 vagas apenas para serem ocupadas por brasileiros. São 50 para graduação em Medicina e Odontologia e 20 para pós-graduação em várias áreas.

"Rússia e Brasil são dois países grandes e emergentes. O intercâmbio científico e educacional pode contribuir para os dois conseguirem seus objetivos", justifica o presidente da Associação Latino-americana Russa (Alar) no Brasil, Anatoli Gatsalov, um economista e ex-diplomata russo radicado no País. A Alar tem a autorização das universidades para analisar os documentos dos interessados, fazer entrevistas e requerer exames que atestem plena saúde física e mental - antidrogas e anti-HIV estão entre eles.

Os estudos na Rússia começam obrigatoriamente com um curso de russo de, no máximo, 16 meses, dado pela própria instituição onde o aluno fará a graduação. É chamada de faculdade preparatória. Só depois da aprovação na língua é que se pode ingressar na especialidade, que dura de quatro a seis anos.

As cerca de 20 universidades representadas pela Alar no Brasil são públicas e subsidiam parte do estudo dos estrangeiros. Por isso os preços módicos - se comparados às mensalidades de R$ 3 mil para cursar Medicina nas faculdades brasileiras ou US$ 50 mil anuais, nas americanas. Um dos cursos mais caros é o de Engenharia oferecido pela Universidade Aeroespacial de Moscou (MAI): US$ 3.600 anuais. Os russos não pagam nada, mas enfrentam vestibulares com até 200 candidatos por vaga.

"Todo mundo diz que eu sou louca", conta Bruna Benício Jales, de 19 anos, que decidiu estudar Medicina na Universidade Estatal de Bélgorod, a 700 quilômetros de Moscou. Ela se informou sobre o país, conversou com médicos amigos da família e conseguiu convencer os pais, uma bancária e um industriário, de que a Rússia era uma boa opção. O casal vai desembolsar US$ 1.800 por ano na universidade e cerca de US$ 300 em moradia. "Ela ficou traumatizada com o vestibular, fez quase dez provas e não passou em Medicina", conta a mãe Sonia. Depois de concordar com a idéia, ela só deu uma olhada no mapa "para ver se a Rússia não ficava perto do Iraque".

FUGA DE CÉREBROS

Existem na Rússia atualmente cerca de 150 brasileiros nas mais de 1.100 universidades, públicas e privadas. Durante os anos 60, 70 e 80 era comum principalmente o Partido Comunista Brasileiro enviar jovens para estudar na antiga União Soviética (URSS). Segundo o historiador da Universidade de São Paulo (USP) Oswaldo Coggiola, muitos procuravam as áreas consideradas de ponta no país como Matemática, Física e Engenharia.

Com o fim do sistema socialista, nos anos 90, a Rússia mergulhou numa crise econômica e amargou uma desorganização total da administração pública. O país perdeu grandes cérebros, que migraram para o exterior em busca de trabalho; muitos são professores na USP até hoje. Só recentemente, com a recuperação econômica, o governo voltou a incentivar a volta de estudantes estrangeiros. A Alar foi criada no Peru há seis anos e já enviou 600 peruanos para estudar na Rússia.

Gatsalov fala da excelência atual das universidades russas em áreas como Medicina, Astronomia, Petróleo, Engenharia, Relações Internacionais. "Os russos adoram os brasileiros e o Brasil", completa. Faz parte da sua missão também tentar trazer estudantes russos para cá. A Alar está com inscrições abertas até o dia 15 e cobra R$ 3 mil para ajudar quem quer ir para a Rússia.

"Só tenho medo do frio", diz Felipe Campos Sestaro, de 24 anos, que mora em Santos e vai estudar Medicina na MMA. "Nem 'oi' em russo eu sei falar, mas Deus me mandou pra lá", justifica o rapaz. Evangélico, ele pretende também converter colegas do país para a sua religião.

Além da baixa anuidade, as universidade russas emprestam a maioria dos livros aos estudantes, que devem ser devolvidos em bom estado no fim do ano. Essas facilidades fizeram a paulistana Gabrielle Guerra dos Santos, de 18 anos, trocar a idéia de estudar na Austrália pela Rússia. Ela vai ser colega de Bruna em Bélgorod. Gabrielle diz ser difícil achar informações sobre a Rússia na internet. "Fui à exposição dos czares para entender um pouco do país", diz. A mãe Elza, viúva e dona de uma pequena clínica de estética, ainda nem contou para a família sobre a viagem da filha. Mas Gabrielle diz que vai sem medo enfrentar os oito anos no país estranho. "Quem sabe eu até não case por lá."