Título: Igreja quer fiéis com mais qualidade
Autor: Adriana Dias Lopes
Fonte: O Estado de São Paulo, 24/07/2005, Vida&, p. A24

Além da eucaristia, a evangelização será o ponto central da discussão dos bispos no primeiro sínodo dirigido por Bento XVI

Missas lotadas sempre foram prioridade da Igreja. Mas de uns tempos para cá o Vaticano tem dirigido o foco de atenção especificamente para uma característica do freqüentador de igreja: o seu nível de qualidade. O assunto será um dos pontos máximos da primeira reunião de bispos dirigida por Bento XVI, o XI Sínodo dos Bispos (veja quadro), que vai ocorrer de 2 a 23 de outubro, em Roma. Um católico de qualidade para a Igreja é o pastor tão pregado nos textos bíblicos. É aquele que, além de freqüentar comunidades cristãs, é missionário e difunde o Evangelho. "Ele tem de ter intimidade com a religião", analisa d. Benedito Beni dos Santos, bispo-auxiliar de São Paulo.

Para o padre Juarez Pedro de Castro, secretário-geral do Vicariato da Comunicação da arquidiocese de São Paulo, o fiel de qualidade tem mais uma característica: "É quem não participa do tráfego religioso", diz ele. "O católico não pode ser seduzido por outras religiões, mas também não pode ser contra nenhuma delas."

Antes do sínodo, bispos de todo mundo - no total são 4.257, sendo 413 no Brasil - responderam um questionário enviado pelo Vaticano com 20 perguntas. Todas de alguma forma abordavam a relação dos fiéis com a eucaristia e suas formas de celebração. Exemplo: "Que elementos ou gestos de praxe poderão ofuscar o sentido mais profundo do mistério eucarístico?" Ou então: "Qual é a freqüência do fiel na Santa Missa aos domingos?"

Com base nas respostas, foi feito um balanço, transformado num valioso documento para a Igreja batizado de Instrumentum Laboris. É ele que vai guiar as discussões dos bispos em outubro.

D. Beni, um dos que participaram do questionário, revela um resultado local valioso. O da freqüência dos fiéis à missa da arquidiocese de São Paulo, a maior do País. "Observamos que a freqüência dos católicos à missa é de 8% a 10%", conta ele. "É muito baixa. Queremos os outros 90% na Igreja, mas todos bem evangelizados." Se comparado ao índice mínimo registrado no Instrumentum Laboris (5% dos fiéis vão à missa na Europa e na Oceania), o resultado em São Paulo não está tão ruim.

Nem mesmo o canto da missa vai escapar das discussões do sínodo. O relatório sugere que os cantos usados hoje na liturgia sejam reconsiderados. De acordo com as respostas dos bispos, "se a música instrumental e vocal não tiver o sentido da oração, da dignidade e da beleza, exclui a si mesma do âmbito sacro e religioso".

EUCARISTIA

O próprio tema do sínodo de outubro mostra a preocupação com a qualidade da evangelização: "Eucaristia, fonte e ápice da vida e da missão da Igreja". A eucaristia, assim como o batismo, é o sacramento de maior importância dos católicos. Ponto máximo da missa, simboliza a presença de Cristo por meio do pão e do vinho. "A eucaristia é a essência da Igreja", explica o padre Juarez. O tema foi escolhido, na verdade, por João Paulo II, em 2001, e confirmado por Bento XVI.

O próximo sínodo promete outra discussão delicada que vai servir para ajudar na conquista do fiel: a diminuição do número de padres no mundo. Em média, a queda nos últimos 25 anos foi de 3,69%. Entre os padres diocesanos, o tombo foi muito maior: menos 13,30%. Já o índice de padres religiosos subiu 2,12% no mesmo período.

A explicação provável é que a vida do religioso é bem mais difícil. O religioso é aquele ligado a uma congregação, como os beneditinos e franciscanos. D. Cláudio Hummes é um deles. O religioso tem de fazer voto de castidade, obediência, pobreza e viver em comunidade. Já o diocesano é ligado a uma diocese, a uma comunidade específica. Ele não faz voto de pobreza. Pode, por exemplo, morar com a família, em casa. O padre Marcelo é diocesano, por exemplo.

O número de religiosas caiu também drasticamente: 21,65%. "É natural. A mulher não precisa ser religiosa para estudar, como ocorria há algumas décadas. O mesmo vale para os homens", diz Fernando Altemeyer, teólogo da PUC-SP. "As opções exigidas pela Igreja já são rígidas, mas com as mulheres são ainda mais", observa.

O Instrumentum Laboris mostra também que foi nos países pobres que o número de católicos mais cresceu. A África está em primeiro lugar, com a elevação de 4,5% de 2002 para 2003. "O africano tem um vigor religioso raramente visto em outros povos", avalia d. Beni. "Além do mais, há ainda poucos católicos na África (16,9% da população). Difícil é conquistar um católico que tradicionalmente nasce católico, mas não pratica a religião." Na Europa não houve aumento do número de católicos no mesmo período. Na América (o documento não separou a América do Sul e do Norte), o crescimento foi baixo também: 1,2%. No Brasil, de acordo com último Censo do IBGE, o número de católicos caiu 20% nas últimas cinco décadas, passando de 90% para 70% da população.

Dificilmente o sínodo será capaz de provocar mudanças internas na Igreja. "Não era do perfil de João Paulo II fazer isso, provavelmente nem será de Bento XVI", analisa Altemeyer. "Mas estou curioso. Esse sínodo vai nos mostrar como será o papado de Bento XVI. Podemos ser surpreendidos."