Título: Lixo estrangeiro polui o litoral
Autor: Biaggio Talento
Fonte: O Estado de São Paulo, 24/07/2005, Vida&, p. A22

ONG fundada por fotógrafo baiano radicado na Alemanha faz campanha pela limpeza das praias e da costa brasileira

SALVADOR - Desde que encontrou nas praias do litoral norte da Bahia, no verão de 2001, as primeiras 81 embalagens descartadas de produtos estrangeiros (como garrafas plásticas de água mineral da Indonésia e Coréia do Sul), o fotógrafo baiano Fabiano Prado Barreto percorreu uma longa trilha em defesa do meio ambiente. Ele descobriu que o material é jogado no mar pelos navios que percorrem as costas brasileiras e as mesmas correntes marinhas do Atlântico que trouxeram as primeiras naus portuguesas para a Bahia fazem a entrega indesejável dos detritos. Identificou lixo de 70 países nas praias baianas nos últimos anos e com essas informações e muita persistência vem realizando, a partir da Alemanha, onde mora atualmente, um trabalho de conscientização para tentar limpar os oceanos e as praias brasileiras. Parte do primeiro lote do lixo recolhido ele entregou no Consulado da Itália em Salvador.

Depois registrou tudo em fotos e passou a denunciar o caso em várias partes do mundo. Em 2003, fundou a ONG Global Garbage, patrocinada pela Lighthouse Foundation, da Alemanha. Ultimamente, Barreto está preocupado com um tipo específico de detrito tóxico, encontrado em vários pontos do litoral brasileiro: embalagens de um atrator luminoso, conhecido em inglês como lightstick, tipo de sinalizador usado por pescadores na captura do cobiçado peixe espadarte, por meio da técnica conhecida como espinhel de superfície, uma linha de 80 quilômetros de comprimento onde são fixados milhares de anzóis. O sinalizador também é preso na linha de pesca.

Trata-se de um tubo preenchido por duas substâncias químicas que, quando misturadas, produzem luminosidade por até 12 horas, atraindo os peixes. Milhares dessas peças chegam às praias brasileiras e são manipuladas por pessoas sem nenhuma informação sobre a toxicidade do produto, tanto que usam o resto do óleo do tubo até com fins "terapêuticos", espalhando-o na pele.

Pesquisadores das Universidades de São Paulo e Federal do Rio Grande que estão analisando as substâncias químicas dos atratores - entre elas hidrocarbonetos aromáticos, clorofenóis e derivados do ácido salicílico - constataram, a princípio, que elas podem causar alergias, mutações celulares e até câncer. A Global Garbage está tentando viabilizar financeiramente uma análise ampla sobre o produto. "Só os resultados de uma pesquisa feita por uma instituição importante nos permitirão iniciar ações internacionais junto aos governos e fabricantes", comentou Barreto, informando que os fabricantes afirmam que o lightstick não é tóxico.

Ele recebeu informações de localidades praieiras do Maranhão, de Santa Catarina, da Bahia e do Espírito Santo sobre os atratores que aparecem constantemente nas areias. Só para se ter uma idéia da quantidade de lightsticks descartados na costa do País, a Global Garbage descobriu que dois navios "espinhaleiros" japoneses autorizados a pescar nas águas brasileiras utilizaram em apenas cinco viagens de pesca do espadarte 69.300 atratores luminosos.

Numa das campanhas recentes de monitoramento de lixo global realizada em 90 quilômetros do litoral norte baiano, membros da ONG recolheram 7 mil atratores.

O diretor da comissão científica da organização, o oceanógrafo Isaac Rodrigues dos Santos, propõe campanhas sistemáticas contra o descarte intencional dos atratores. Teme que se "medidas preventivas não forem tomadas e essa nova forma de poluição não for devidamente investigada, é possível que isso se consolide como um grave problema sanitário e ambiental". A ONG elaborou um cartaz alertando e condenando a utilização dos sinalizadores que vem distribuindo em várias comunidades à beira-mar e para companhias de navegação.