Título: Buratti será indiciado por formação de quadrilha para fraudar licitações
Autor: Ricardo Brandt
Fonte: O Estado de São Paulo, 24/07/2005, Nacional, p. A12

Ex-secretário de Ribeirão Preto na gestão Palocci também é investigado na CPI dos Bingos, sob acusação de receber propina

RIBEIRÃO PRETO A Polícia Civil e a Promotoria de Ribeirão Preto lançam nos próximos dias mais uma bomba que deve ampliar o rol de petistas suspeitos de envolvimento com corrupção. Deve sair dentro de 30 dias o indiciamento de Rogério Tadeu Buratti por formação de quadrilha para fraudar licitações municipais. Ele foi secretário de governo da prefeitura de Ribeirão Preto na gestão do hoje ministro da Fazenda, Antonio Palocci. Também é investigado pela CPI dos Bingos, acusado de receber propina para renovação de contrato da Caixa Econômica Federal, no caso Waldomiro Diniz.

O inquérito de mais de 4 mil páginas deve acusar pelo menos 6 pessoas, 3 ligadas ao PT, por formar quadrilha que fraudava licitações e aliciava empresas para divisão de contratos em São Paulo e pelo menos outros três Estados. Mantidas sob sigilo, provas do inquérito são as gravações telefônicas de Buratti, feitas com ordem judicial entre maio e setembro do ano passado.

As gravações apontam a ligação da quadrilha com políticos, servidores, empresários e advogados. Também reforçam o envolvimento dos primos Ralf Barquete Santos (já morto) e Wilney Barquete, que tinham cargos no segundo mandato de Palocci em Ribeirão. Ralf foi secretário de Fazenda (2001-2002) e se tornou assessor da presidência da Caixa em 2003. Wilney presidiu a Companhia Habitacional de Ribeirão.

O Estado teve acesso às cópias feitas pelo Ministério Público das transcrições das conversas, com dia e hora em que ocorreram e, em alguns casos, os nomes dos interlocutores. Numa ligação feita às 13h19 de 25 de maio, Buratti fala com Wladimir (pessoa não identificada). Explica que, "embora tenha havido um vácuo com a ausência de Ralf (internado na época)", conseguiu "boa parceria e a coisa está evoluindo". Ralf seria peça-chave no esquema de tráfico de influência discutido por eles, segundo os promotores do Grupo de Atuação Especial Regional para Prevenção e Repressão ao Crime Organizado (Gaerco).

Nas transcrições, Buratti diz que vai falar com Valmir em São Paulo. A promotoria considera a possibilidade de Valmir, citado em várias conversas, ser Valdemir Garreta, ex-secretário de Comunicação da administração Marta Suplicy (PT), com quem Buratti manteve mais contatos. Em 20 de agosto, Buratti recebeu ligação de Garreta às 9h42, marcando encontro em São Paulo. As conversas ocorreram às vésperas do processo de contratação de empresas para os serviços de lixo na cidade de São Paulo, em 5 de outubro, e são alvo de várias contestações judiciais por direcionamento.

As coincidências não param aí. O serviço de lixo é a especialidade da Leão Ambiental, empresa de Ribeirão da qual Buratti foi diretor e o Gaerco aponta como maior beneficiária dos esquemas de fraude. Também foi a maior doadora da campanha de Palocci a prefeito em 2000 - deu R$ 150 mil. Em São Paulo, o contrato do lixo renderá R$ 10 bilhões em 20 anos, prorrogáveis. Venceram os consórcios São Paulo Limpeza (Vega, Cavo e SPL) e Bandeirantes 2 (Queiroz Galvão, Heleno e Fonseca e LOT).

Há várias citações sobre uma grande contratação em que o grupo estaria envolvido. Em 16 de junho, Wilney liga para Buratti e "diz que está precisando da ajuda dele..." Que vão cancelar inscrição de varrição e assinar em outubro uma emergência com lista de empresas já escolhidas. Em 28 de de julho, voltam a falar sobre isso.

Segundo o promotor Sebastião Sérgio da Silveira, nas buscas feitas na Leão foi recolhido um papel manuscrito que traz o mapa das divisões entre as empresas das áreas de São Paulo que iriam assumir. Isso antes dos resultados oficiais.

Também aparece como suspeito o advogado Carlos Frederico Bentivegna, o Cacaio. Ele era chefe de gabinete do secretário dos Negócios Jurídicos de Marta, Luiz Tarcísio Teixeira Ferreira. Em 16 de junho, Buratti liga para Luiz Pacola (diretor da Leão Ambiental) e diz: "Cacaio fez conta meio global e segundo ele é para deixar para lá. Só que reclamam é dos 70 que não foi pago. Segundo Pacola vão pagar, mas não antecipar por serviços a serem prestados."

DELÚBIO

Outra ligação que o Gaerco terá de apurar é entre Buratti e o ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares. Seu nome é citado numa conversa entre Buratti e Wladimir, em 19 de junho. Segundo as transcrições, Wladimir diz que "recebeu ligação de uma pessoa dizendo que tinha de operacionalizar P-8, mas ele não está sabendo de nada". Buratti pergunta quem ligou. Ele responde que foi Maria Silvia, secretária de Delúbio.

O chefe de gabinete de Palocci, Juscelino Dourado, também aparece nas conversas. Há pelo menos uma referência a seu nome e várias a uma pessoa identificada como "J", de Brasília. Levado por Palocci para o ministério, Dourado presidiu a Companhia de Desenvolvimento Econômico de Ribeirão e foi sócio de Buratti na firma de informática W Way. A empresa é registrada no mesmo endereço da Assessorarte, que pertenceu a Buratti e ao ex-diretor da comissão de licitações no governo Palocci, Luiz Prado, e é acusada de fraudes em licitações.

Tudo isso será relatado no inquérito comandado pelo delegado Benedito Antônio Valencise. Ele começa nesta semana a ouvir os depoimentos de defesa. A partir daí, o trabalho será do Gaerco, que deve preparar a denúncia.

Além de Buratti, devem ser indiciados por formação de quadrilha e tráfico de influência o dono da Leão Ambiental, Luiz Claudio Leão, e os diretores da empresa Wilney Barquete, Marcelo Franzine e Fernando Fischer. O advogado de Buratti, Roberto Telhada, disse desconhecer o teor do inquérito. E que, na parte a que teve acesso, não havia nada sobre ato ilícito de seu cliente.