Título: Delúbio terceirizou finanças do PT e dívida supera R$ 160 milhões
Autor: Vera Rosa
Fonte: O Estado de São Paulo, 24/07/2005, Nacional, p. A4

Gabinete de crise avalia que ex-tesoureiro deixou a arrecadação de recursos para o partido por conta de Marcos Valério

Vera Rosa

BRASÍLIA - Levantamento feito pelo gabinete de crise do PT indica que as dívidas do partido já superam os R$ 160 milhões. Na prática, o ex-tesoureiro Delúbio Soares "terceirizou" a Secretaria de Finanças do PT, repassando funções de arrecadação de recursos ao publicitário Marcos Valério Fernandes de Souza, apontado pelo deputado Roberto Jefferson (RJ) como operador do pagamento de mesada a parlamentares da base aliada. A situação é de falência. O inventário mostra que o PT vive um completo descalabro desde que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tomou posse, em janeiro de 2003. Só em aluguel de jatinhos e helicópteros para transportar dirigentes, o partido gastou cerca de R$ 2 milhões. A nova direção também descobriu outro hábito pouco ortodoxo: nas viagens, executivos do PT hospedavam-se em suítes de luxo de hotéis cinco estrelas.

Enquanto isso, as empresas de Marcos Valério, dono das agências SMPB e DNA, amealhavam contratos e negócios no governo, principalmente em estatais, como Correios, Banco do Brasil e Eletronorte. Para agradar aos petistas, vez por outra o publicitário financiava festas de embalo, que contavam com participação de dirigentes da legenda, deputados e até funcionários do Banco do Brasil.

O esquema megalomaníaco alimentava uma espécie de PT paralelo, no qual a captação de recursos para campanhas eleitorais passava ao largo dos diretórios do partido. Sempre em dobradinha com Valério, um seleto grupo de petistas distribuía dinheiro conforme suas conveniências e mantinha operadores próprios em Estados e municípios. Candidatos amigos ou que serviam para alavancar projetos políticos futuros ganhavam mundos e fundos. Os outros recebiam o que se convencionou chamar no PT de "ração": pacote básico "estrela", com material institucional.

"Pelo que constatamos, grande parte das contribuições ao PT não entrava nem saía pelas instâncias regulares", afirma o presidente do partido, Tarso Genro. Convocado às pressas para comandar o PT há apenas 15 dias, substituindo José Genoino, Tarso está assombrado com o tamanho do rombo. "Se não houver uma repactuação interna para formarmos um novo núcleo dirigente, não há como sair da crise", diz o ministro da Educação, que deixa o governo na quarta-feira, a pedido de Lula, com a difícil tarefa de recuperar o partido perdido.

TERRA ARRASADA

Para agravar ainda mais o quadro, muitos documentos que comprovariam transações financeiras escabrosas foram destruídos, o que dificulta o balanço para medir o tamanho do buraco. A conta que ultrapassa os R$ 160 milhões é uma estimativa de todas as dívidas contraídas nos últimos dois anos e meio, incluindo empréstimos bancários não contabilizados. Oficialmente, porém, o déficit está na casa dos R$ 40 milhões.

Na lista de credores, a BBTur, agência que emitia as passagens aéreas para o PT, já avisou que não venderá mais bilhetes ao partido. O PT, hoje, não tem dinheiro nem mesmo para custear as viagens dos sete candidatos que vão disputar a presidência da sigla em eleição direta, marcada para 18 de setembro, com voto dos filiados.

"Os 800 mil filiados do PT não podem pagar pelos erros dos seus dirigentes", insiste o líder do governo no Senado, Aloizio Mercadante (SP). "A gestão financeira do partido não foi transparente nem democrática e muito menos sustentável. Foi incompatível com nossos valores e nossa história, indicando um vínculo oculto com o financiamento de campanhas."

Na quinta-feira, o ex-tesoureiro do PT do Maranhão Robert Lobato depôs na Polícia Federal e confirmou o caixa 2 no partido, chamado eufemisticamente por Delúbio de "recursos não contabilizados". Lobato disse que o artifício para privilegiar apaniguados consistia numa série de depósitos em contas correntes de determinadas pessoas, sem passar pelo partido. A estratégia servia para escapar da prestação de contas à Justiça Eleitoral. O PT maranhense nega a manobra.

Mesmo com a prometida expulsão de Delúbio e o desligamento já consumado do secretário-geral Silvio Pereira, o partido terá muito a esclarecer nos próximos meses. Integrante da CPI dos Correios, o deputado José Eduardo Martins Cardozo (SP) sustenta que "há algo obscuro" na relação entre governo, PT e Valério. "É muito curioso que empréstimos vultosos do Banco Rural, BMG e Banco do Brasil tenham sido dados sem nenhum tipo de garantia, só por relação de amizade", comenta.

Na campanha do ano passado, as queixas dos petistas chegaram aos ouvidos do então chefe da Casa Civil José Dirceu, que presidiu o PT de 1995 a 2002. Em cidades de São Paulo, por exemplo, candidatos a prefeito e vereador, sem dinheiro para honrar compromissos com fornecedores, ouviram a resposta-padrão: o cobertor é curto. Dirceu sempre foi visto como o homem que dava as cartas no partido mesmo à distância, durante a gestão de Genoino. Ele nega.

"As correntes de esquerda sempre foram discriminadas pelo Campo Majoritário", observa o deputado João Alfredo (CE), numa referência ao grupo de Dirceu, que detém 60% dos cargos de direção no partido. Da Democracia Socialista, João Alfredo apoiou Luizianne Lins, eleita prefeita de Fortaleza pelo PT à revelia do próprio PT.

Longe dali, o vereador gaúcho Ari Thessing, hoje no Campo Majoritário, quer saber aonde foi parar a dinheirama que nunca chegou a Santa Cruz do Sul. Não sem motivo: mesmo com "vaquinhas" feitas pelos companheiros para quitar débitos antigos, os telefones do diretório municipal do PT foram cortados. A dívida? R$ 2.400. "Aqui a gente não tem nem caixa 1, que dirá caixa 2", diz Thessing, único vereador do PT na cidade.