Título: ' Somente eu decido. Não admitirei interferência'
Autor: Fausto MacedoVannildo Mendes
Fonte: O Estado de São Paulo, 24/07/2005, Nacional, p. A8

BRASÍLIA - Discreto, com um exemplar da Constituição sobre a mesa e a Bíblia aberta sobre uma cômoda de seu gabinete em Brasília, o procurador-geral da República Antonio Fernando Barros e Silva de Souza mergulhou nas investigações sobre o mensalão - decidido a "não aceitar interferências" nesse novo desafio. Na terça-feira, pouco antes de conquistar um primeiro triunfo - o bloqueio de R$ 1,9 milhão que Renilda de Souza pretendia sacar às pressas -, o chefe do Ministério Público Federal avisou que fará "o que for preciso" para identificar e punir todos os envolvidos e beneficiários do esquema que jogou importantes quadros do PT na vala comum de outros políticos marcados por denúncias de fraudes e maracutaias. Antonio Fernando de Souza negou que o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, o tenha pressionado a tomar os depoimentos do empresário Marcos Valério Fernandes de Souza, apontado como operador do mensalão, e do ex-tesoureiro do PT, Delúbio Soares. Nascido em Fortaleza há 56 anos, criado no interior do Paraná, ele ingressou na carreira em 1975, especializando-se em matérias de direito constitucional e eleitoral. Ao Estado, ele falou sobre mensalão e contou por que rejeitou acordo para conceder os benefícios da delação premiada em troca da colaboração de Marcos Valério. "Quem pede isso (acordo) já está antecipando que se considera envolvido nos fatos." Por que o sr. tomou os depoimentos de Valério e de Delúbio?

Há um procedimento (administrativo) instalado pelo procurador-geral anterior (Cláudio Fonteles), que visava obter informações contra pessoas com foro perante o STF, diferentes daquelas investigações relacionadas aos Correios, IRB e outros episódios. Podem ser paralelas, mas não coincidentes quanto aos objetivos.

Como foi esse contato?

A pedido do procurador-chefe em Belo Horizonte foi marcada uma audiência pelo advogado Marcelo Leonardo, que depois eu vim saber ser o defensor de Marcos Valério. Ele esteve aqui e me apresentou pedido propondo acordo ao Ministério Público para obter a delação premiada. Eu examinei e neguei. Disse que nesse momento o Ministério Público não tem interesse. Primeiro, pela existência de várias investigações. Antecipar acordo de isenção de pena ou redução de pena iria frustrar essas investigações. Não está ainda delineada toda a extensão da participação de Valério nos delitos. Aceitar acordo nessa fase seria prematuro.

E o depoimento dele?

Ele retornou, dizendo que gostaria de prestar depoimento sobre fatos que reputava relevantes, independente de acordo. Diante da possibilidade de surgir um fato relevante, tomei o depoimento dele. Naquele mesmo dia, o advogado Arnaldo Malheiros (defensor de Delúbio) ligou dizendo que queria trazer o depoimento dele também. Como o depoimento do Valério fazia remissões seguidas a Delúbio, achei conveniente ouvi-lo.

Por que o sr. não quis ouvir Silvio Pereira, ex-secretário-geral do PT?

O depoimento do Valério era pautado em relações dele com o Delúbio. Não há nenhuma referência que ligasse coisa a outra. O advogado dele (Pereira) manifestou o desejo, mas não constatamos a necessidade de ouvi-lo. Até porque as investigações estão em curso, umas com mais agilidade que outras.

O ministro da Justiça sugeriu ao sr. que tomasse os depoimentos de Valério e de Delúbio?

Não. Com o ministro a gente conversa com freqüência porque há muitas questões em comum, como leis em tramitação no Congresso. Mas sobre a questão institucional, de atuação minha, não.

Há indicativos e relatos na CPI de que o presidente Lula sabia e foi alertado diversas vezes sobre o mensalão. Se o sr. tiver de pedir a quebra de sigilo do presidente, o sr. o fará?

Eu não tenho os elementos para uma constatação nesse sentido, nem em relação ao presidente ou em relação a qualquer outra pessoa. O que existe são depoimentos, alguns inclusive contraditórios, sobre o envolvimento de um parlamentar ou outro. O que eu posso dizer, em termos gerais, é que o Ministério Público fará o que tem de ser feito e eu, como procurador-geral, tomarei as providências que tiverem de ser tomadas para obter o esclarecimento.

Até onde vai a independência do procurador-geral?

Absoluta. Não há nenhuma interferência de ninguém. Também não admitirei. Não interfiro no trabalho dos colegas nos Estados, em suas atribuições. Naquelas reservadas ao procurador-geral, somente eu decido, sem interferência.

Assusta o sr. esse mensalão?

Depois de 30 anos no Ministério Público, quem se dispõe a assumir o cargo de procurador-geral tem que estar pronto para todos os eventos. O episódio tem uma dimensão grande, mas não deixa de estar dentro daqueles objetivos de apuração do Ministério Público.

O que o sr. considera uma interferência no seu trabalho?

Não sofri interferência e não admitirei. Se vier um pedido para eu fazer alguma coisa, não é preciso ninguém me orientar como eu devo fazer. Se isso ocorrer simplesmente não considero.

Não está passando da hora de pedir prisão preventiva de Valério após o episódio dos papéis incinerados?

Há várias investigações em curso. Esse episódio tem múltiplas faces. Tem a questão dos Correios, do IRB, etc. Não sei se a conduta do Marcos Valério em relação a essas outras investigações pode justificar um pedido de prisão. Os procuradores são livres para fazer o pedido.

Ao pedir o benefício da delação premiada, Valério se torna um réu confesso?

Não temos a definição precisa do quadro. O Ministério Público tem que ser muito cuidadoso nisso. Parece meio difícil dizer que não há pelo menos um envolvimento. A extensão do envolvimento, os limites precisos, as infrações que ele cometeu ainda não estão definidos. Mas quem pede isso (acordo) já está antecipando que se considera envolvido nos fatos.

Como acha que o Brasil vai sair dessa crise?

A expectativa de todos nós é que todos esses mecanismos constitucionais de defesa funcionem plenamente. Até o momento parece que estão funcionando. Evidentemente, se, ao final dessa investigação ficarem definidas condutas criminais ou que possam gerar responsabilidade civil, o Ministério Público vai agir e provavelmente o Congresso adotará, do ponto de vista político, as providências que lhe couberem.

Por que o Ministério Público, como na Itália, não lidera uma Operação Mãos Limpas no Brasil?

O Ministério Público tem um papel bem claro na Constituição e o desafio é que ele cumpra em toda a sua extensão esse papel. Não é o MP o único encarregado de realizar atividades de fiscalização e investigação. O tema inclusive é objeto de questionamento no Supremo, em que a Polícia Federal reivindica para si a exclusividade da investigação. A tese do MP é de que não há essa exclusividade, nem para a PF, nem para o MP. Outros organismos estatais também estão autorizados, pela Constituição e por lei. Estamos vendo tudo isso ocorrer, a CPI atuando, a Receita fazendo suas investigações, o Coaf suprindo com suas informações. Cada um na sua área. Não seria o caso de liderança. A questão é de atuação cooperativa.

Como o sr. avalia as operações da PF em escritórios de advocacia? Há abusos?

Não faço juízo em relação ao modo de atuação de outros. Quem comanda uma operação policial é que deve avaliar a extensão e a forma de executar a operação para que ela tenha sucesso. A PF faz buscas cumprindo ordem judicial. Se questionar a PF no cumprimento de uma ordem emanada pelo juiz, deveria também questionar a ordem judicial. Eu gosto de trabalhar de maneira mais discreta. Mas é questão de estilo pessoal..