Título: Sem oferta da UE, OMC admite crise na Rodada Doha
Autor: Jamil Chade
Fonte: O Estado de São Paulo, 22/07/2005, Economia & Negócios, p. B7

Para a frustração do Brasil e dos demais países em desenvolvimento, a União Européia (UE) não apresentou ontem uma nova oferta de liberalização das tarifas agrícolas na Organização Mundial do Comércio (OMC). O diretor da entidade, Supachai Panitchpakdi, decretou oficialmente a crise nas negociações da Rodada de Doha. A direção da OMC admite que os países não conseguem superar as diferenças em centenas de pontos, como produtos industriais, serviços, regras, investimentos, propriedade intelectual e agricultura. Na última reunião ministerial da OMC, na China, na semana passada, o G-20 - formado por Brasil, Índia, China e outros países emergentes -, apresentou uma proposta de corte de tarifas que europeus e americanos concordaram em usar como base, mas avisaram que não aceitariam o seu conteúdo.

Bruxelas informou ao Brasil que, nesta semana, apresentaria uma contraproposta. Mas, para a surpresa dos países em desenvolvimento, nenhum novo documento foi entregue à OMC pelos europeus, que se limitaram a fazer modificações drásticas na proposta do G-20.

Ontem à noite, 12 dos principais países da entidade, incluindo o Brasil, se reuníram com o presidente das negociações agrícolas, Tim Groser, para debater o assunto. Antes, durante a tarde, o embaixador brasileiro na OMC, Luis Felipe de Seixas Corrêa, ainda acreditava que a proposta européia surgiria na reunião da noite, o que foi desmentido pelos representantes da UE.

Para Bruxelas, essa proposta somente surgirá quando os Estados Unidos derem um passo na direção de eliminar os seus subsídios à agricultura. A proposta do G-20 prevê a divisão das tarifas em cinco bandas: entre 80% e 100% em impostos de importação, haveria um determinado corte. A redução seria outra entre 60% e 80%. As demais bandas seriam de 40% a 60%, de 20% a 40% e de zero a 20%.

No caso da proposta dos europeus, existiria um número reduzido de bandas, permitindo que o protecionismo seja mantido. A UE alegou que não poderia fazer uma proposta por escrito para poder manter um grau de flexibilidade. O Brasil rejeitou a atitude da Europa e considerou que as propostas da UE desfiguravam o projeto do G-20.

O diretor da OMC não esconde seu desespero em relação ao processo. "Eu disse anteriormente que meu dedo estava pairando sobre o botão de alarme. Agora, estou acionando esse botão e peço a todos que ouçam o alarme", afirmou Supachai aos 148 países.

Segundo ele, parece existir vontade política para que o processo avance para que a conferência ministerial de Hong Kong, em dezembro, não se torne mais um fracasso. O problema é que não se consegue traduzir essa tendência em ofertas que aproximem as posições.

Sem essa aproximação, a possibilidade de que ministros como o brasileiro Celso Amorim ou o americano Rob Portman e o europeu Peter Mandelson decidam se reunir em Genebra na semana que vem parece cada vez mais improvável. Ainda assim, para Supachai, a proposta do G-20 é útil para encontrar uma base comum.

Esperando uma solução em agricultura, os negociadores do setor de bens manufaturados estão praticamente com seus trabalhos paralisados. Todos reconhecem que, enquanto não houver avanços em agricultura, os países emergentes não aceitarão fazer qualquer concessão. O próprio Brasil indicou há duas semanas à Europa e aos Estados Unidos que aceitaria uma certa liberalização caso sentisse que poderia ganhar no setor agrícola.