Título: No corredor de hospitais, troca de tiros
Autor: Clarissa Thomé
Fonte: O Estado de São Paulo, 31/07/2005, Metrópole, p. C6

Eles estão lá para salvar vidas. Juraram não fazer distinção entre negros, brancos, homens, mulheres, pobres, ricos e presidiários. Mas agora se perguntam como vão se preservar. Médicos estão assustados com um fenômeno que vem ocorrendo nos hospitais públicos do Rio e São Paulo: tentativa de resgate de presos internados ou em atendimento. Só este mês foram registrados três casos em São Paulo. Dois no Hospital Heliópolis, na capital, e uma no interior, no Hospital de Mirandópolis. No Rio, o governo só mudou os procedimentos para atendimento de criminosos após o resgate cinematográfico de um traficante, em 2001. Agora, é obrigatória a identificação de baleados em menos de 24 horas e transferência imediata passada a fase crítica. Em São Paulo, essas medidas já são tomadas.

O traficante Márcio Greik dos Santos, então com 19 anos, chegou baleado ao Hospital Geral de Bonsucesso. Era um anônimo e continuou assim por alguns dias, enquanto estava na enfermaria coletiva, sem algemas. Depois foi transferido de ala e ficou sob a custódia de um policial militar. Na madrugada de 5 de abril de 2001, 20 homens armados de fuzis, com coletes da Polícia Civil, invadiram o pátio, dominaram e espancaram quatro vigilantes, dispararam tiros nos corredores, mataram um policial militar e resgataram Greik. Sete pessoas que estavam na fila para marcar consulta foram baleadas.

Quem presenciou o resgate não esquece as cenas. "Os pacientes que podiam se levantar corriam pelos corredores levando o próprio soro. Um residente arrastou um armário de ferro para trancar uma porta. Era tão pesado que, depois de passado o susto, ele não conseguia removê-lo", conta uma atendente. "Trabalho com o medo de uma nova invasão."

Para o presidente do Sindicato dos Médicos do Rio, Jorge Darze, os resgates deixam de ocorrer quando o criminoso percebe que corre risco de morrer. Mas afirma que o perigo só diminui quando todos os procedimentos de segurança são respeitados. "Quando há falha, os resgates ocorrem."

E isso sem levar em conta a ousadia do tráfico, como descobriu há alguns meses o cirurgião Elias Miguel, de 57 anos, do Hospital Municipal Francisco Silva Telles. Ele estava de plantão quando chegou ao local um jovem baleado no tórax, socorrido por amigos. O rapaz precisava ser transferido para uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI). Mas traficantes de uma quadrilha rival queriam matá-lo dentro da instituição. "O hospital passou a receber ligações ameaçadoras. Diziam que a ambulância seria metralhada. Telefonei para a PM e a transferência foi feita sob escolta. Não houve retaliação, mas saí da emergência. Medicina é meio de vida, não meio de morte."

O residente Enzo Taglietti só sabia desses casos pelos jornais. Na segunda-feira, entretanto, ele estava de plantão no Hospital Heliópolis quando cinco homens entraram atirando para um resgate na ala penitenciária. "Havia muitos pacientes, médicos, enfermeiros nos corredores. Tinha gente se trancando no banheiro, se escondendo embaixo das cadeiras. Foi assustador."

Os médicos estão em greve desde aquele dia. Eles querem a retirada da ala especial para os presos, que fica no 5.º andar, ao lado da quimioterapia. "É um absurdo ter um presídio dentro de um hospital", diz Taglietti.