Título: Maria viajou para o Brasil. Morreu na prisão
Autor: Azahara Martin
Fonte: O Estado de São Paulo, 26/06/2005, Metrópole, p. C3

Quando o pai de Maria del Carmen Alcón Molina, de 26 anos, a viu pela última vez, em Málaga, na Espanha, ela estava de viagem marcada para o Brasil. Quase um ano depois, José Antônio Alcón iniciou uma batalha que durou exatos 137 dias para trazê-la de volta - na verdade, lutou pelo traslado do corpo. Pela versão oficial da polícia brasileira, Maria del Carmen se enforcou com um lençol na prisão, onde esperou julgamento e cumpria pena por tráfico de drogas. A família só conheceu o destino dela em setembro, quando Maria del Carmen mandou uma carta contando sua condição de presa na penitenciária do Tatuapé. Para os pais, tudo está muito mal explicado - desde as circunstâncias da morte, passando pela demora na atuação do consulado espanhol, até a negativa do Juzgado de Instrucción número 11 de Málaga de realizar nova necropsia.

No dia 3 de fevereiro de 2004, a espanhola ia embarcar no Aeroporto Internacional de São Paulo com destino a Madri. Levava na mala mais de 2 quilos de cocaína e foi presa pela Polícia Federal. No dia 21 de dezembro, foi encontrada morta na Penitenciária Feminina da capital, onde estava desde 12 de novembro. Antes, havia ficado na Penitenciária Feminina de Tatuapé, condenada por tráfico internacional pela juíza federal Katia Hermínia Martins. A pena era de 4 anos de reclusão.

O consulado só avisou a família sobre a morte de Maria del Carmen no dia 3 de janeiro, três semanas depois. "Como é possível não nos comunicarem a morte no mesmo dia que acharam o corpo na cela?", indigna-se o pai. Segundo o cônsul espanhol em São Paulo, Gilson Bonini, a moça pedira por escrito que não se avisasse a família sobre sua condição de presa, mas apenas o pai de uma de suas filhas, Willy, que morava na Espanha.

"Como ela não queria que a família soubesse de sua situação, nós não tínhamos como conhecer o endereço de lá", afirmou. "Além disso, no Natal, o consulado fica dias fechado. Só tivemos a notícia da morte em 27 de dezembro, quando avisamos o governo espanhol."

Enquanto o consulado procurava a família, o corpo foi enterrado no Cemitério Dom Bosco, na zona oeste, como estrangeiro indigente. Somente quatro meses depois a família conseguiu a exumação. "A família só quis saber do assunto quando ela já estava morta. O normal é procurar o consulado quando não se tem notícia do familiar", disse o cônsul.

Os policiais civis que prenderam Maria apuravam uma denúncia anônima de que uma mulher de origem espanhola e sobrenome Alcón embarcaria com destino a Bilbao, via Madri, transportando cocaína. Encontraram o pó nas laterais da mala. No interrogatório judicial, Maria alegou desconhecer que transportava a droga e que havia vindo ao Brasil trazer ouro e diamantes, recebendo pelo serviço 4 mil. A família afirma que foi o pai da filha de Maria del Carmen que lhe encomendou o trabalho.

Meses depois, foi encontrada morta na cela. A família nunca acreditou na versão de suicídio porque, no dia 21 de setembro, a moça havia enviado uma carta falando de sua situação e da vontade de voltar a Málaga (Veja acima). "Era uma carta bastante otimista. Ela adorava suas filhas e estava louca para vê-las", diz o pai, José Miguel.

"As companheiras de prisão me falaram que ela gastava os 100 que os presos espanhóis recebem do governo em cocaína", disse o cônsul. Mas ele mesmo acha estranho que a perícia não tenha encontrado vestígios da droga no corpo de Maria.