Título: Laranja e gado cedem espaço à cana
Autor: Agnaldo Brito
Fonte: O Estado de São Paulo, 26/06/2005, Economia & Negócios, p. B12

Baixo rendimento da citricultura e da pecuária leva produtores paulistas a apostar no crescimento da cadeia de açúcar e álcool

Lima tem cada dia mais trabalho. Novas áreas de cana são plantadas e em 65% destas, a queima é a preparação final para a colheita. "Trabalhei sempre com laranja e com cana.Tudo agora é cana. Laranja virou atraso de vida", diz no intervalo entre ordens transmitidas por rádio aos ateadores de fogo que circundam a área. Segundo o Centro de Tecnologia Canavieira (CTC), da safra de 1999/2000 à de 2004/2005, a área de cana cresceu 18,5% ou 450,7 mil hectares. Araçatuba e Catanduva lideram esse avanço. Outro estudo feito em período diferente referenda a tendência. O satélite Landsat navega pela órbita da Terra e de lá enxerga esse reordenamento territorial. O estudo cobriu 86 municípios da região de Ribeirão Preto, o pólo da economia sucroalcooleira. Descobriu que a fronteira canavieira avança rápido. Em 1988, a cana cobria 8.616,88 quilômetros , 23,46% da área agrícola. De acordo com duas instituições que recolheram e analisaram as imagens de satélite (a Associação Brasileira de Agribusiness, Abag, e a Embrapa-Monitoramento por Satélite), a área em 2003 chegou a 18.297,63 km2, quase 50% do espaço voltado para a agricultura. Os avanços ocorreram em pastagens, em áreas dedicadas às culturas anuais e sobre a fruticultura.

O trabalho toma para análise uma faixa da região canavieira paulista, das barrancas do Rio Grande (na divisa com Minas Gerais) às do Tietê. A cana-de-açúcar expulsa a pecuária e começa, mais a Oeste, a ganhar a corrida com a laranja. "A lógica de tudo é o mercado. São negócios que dão à cana um horizonte mais sólido, o que não corre com pecuária ou a laranja. O estudo mostra que os pequenos, médios e até grandes produtores começam a deixar vocações tradicionais de regiões para abrir espaço para outra cultura do momento, a cana", diz Mônika Bergamaschi, diretora-executiva da Abag/Ribeirão Preto.

LARANJA CEIFADA

João Valter Benaducci é fazendeiro. Tem mania de fazer contas. No aconchego de um escritório bem montado na sede da Fazenda Santa Luiza, em Catanduva, Benaducci fala do último contrato de laranja que fechou. "Perdi dinheiro. E não foi pouco, meu amigo."

Pela caixa de 40 quilos de laranja, recebeu US$ 3,30. Com o dólar desvalorizado, a conta não fecha. Quando parou a soma para apurar o que pagou para ter a parca produção de uma caixa e meia por pé (o mínimo de produtividade seria de de três), estava com prejuízo de mais de R$ 1 por árvore. "É mais, mas vou parar por aqui para não ficar mais bravo."

A decisão está tomada. Até o final do ano Benaducci será um ex-citricultor. A fazenda de 747 hectares já abrigou 120 mil pés de laranja. A migração para a cana começou há alguns anos e, agora, 600 hectares já são ocupados pela cultura. Fará a última colheita neste ano e vai arrancar o laranjal. Algumas árvores já começaram a tombar, doentes - leprose, amarelinho, morte súbita, tristeza. Não há o que fazer. A única área que pode sobrar de laranja será uma fração de 7 hectares. O motivo: o investimento em irrigação. "Não vou perder esse dinheiro, mas vou avaliar o que posso colocar lá para aproveitar o sistema." No lugar dos 110 hectares ainda de laranja, plantará cana.

O discurso regional é o mesmo. Da cana se faz açúcar, se faz combustível tanto para os carros brasileiros, como para os carros do mundo. As promessas para o álcool carburante são alvissareiras.

A União da Agroindústria Canavieira de São Paulo (Unica) diz que o potencial para o etanol no mundo é de 31 bilhões de litros. Volume impensável, mesmo para o Brasil. Com pouco mais de 5 milhões de hectares de cana, o Brasil produzirá este ano 16,403 bilhões de litros de álcool, 15,1 bilhões no Centro-Sul e 1,33 bilhão no Norte e Nordeste. Do total, 13,1 bilhões de litros serão só para combustível, diz a consultoria Datagro.

MENOS GADO

No momento em que os criadores de gado enfrentam a pior crise de preço dos últimos 9 anos, a cana-de-açúcar ganha espaço. Em Araçatuba (SP), conhecida como a terra do boi gordo, a lavoura da cana aumentou 65,7% entre 1994 e 2004 e vai crescer 7,1% somente em 2005. As áreas destinadas a pasto caíram 18%.

Pelos números do Escritório Regional de Desenvolvimento Rural (EDR) de Araçatuba, o plantio de cana em 18 municípios da região subiu de 80,9 mil hectares em 1994 para 134 mil hectares em 2004, com previsão de chegar a 140 mil hectares em 2005. As pastagens foram reduzidas de 415 mil hectares em 1994 para 340 mil hectares em 2004. O rebanho foi reduzido em 2% no último ano.

A mudança no perfil rural não ocorre por acaso. Araçatuba já tem o título de "última fronteira da cana", no Oeste paulista. Segundo a Usinas e Destilarias do Oeste Paulista (Udop), associação de 42 usinas e destilarias do Oeste do Estado e Sul do Mato Grosso do Sul, a região recebe investimentos de US$ 1,26 bilhão na instalação de 30 novas usinas de açúcar e álcool, e 3 delas já funcionam.

Em Valparaíso, a agropecuária Jacarezinho, do Grupo Grendhene, vai transferir 27 mil cabeças de bovinos para o Oeste da Bahia. Os 10 mil hectares de pastagens serão convertidos em canaviais para abastecer uma destilaria de álcool que entra em operação em 2008.