Título: Gabrielli quer a Petrobrás maior
Autor: Irany Thereza e Suely Caldas
Fonte: O Estado de São Paulo, 31/07/2005, Economia & Negócios, p. B4

O nome do economista José Sérgio Gabrielli, de 55 anos, foi recebido com críticas do mercado em 2003, quando foi indicado para dirigir a área financeira da Petrobrás, a maior empresa brasileira, sob todos os critérios de avaliação. Diziam que ele era essencialmente acadêmico. Foi pró-reitor de Pesquisa e Pós-Graduação, diretor da Faculdade de Ciências Econômicas e coordenador do Mestrado em Economia da Universidade Federal da Bahia. Desde o último dia 18, Gabrielli, petista histórico e ex-sindicalista, passou a presidir a Petrobrás, em substituição a José Eduardo Dutra, que deixou a empresa para concorrer ao Senado em 2006. Desta vez, o mercado financeiro recebeu a decisão com tranqüilidade e até certo alívio. Gabrielli também está tranqüilo. Hoje, atribui a resistência inicial a dois fatores: desconhecimento da pessoa e do que seria a política econômica do governo. "Após dois anos e meio, esses temores se dissiparam. A condução da empresa, visando lucratividade e rentabilidade, sem perder a responsabilidade social, demonstrou um alinhamento entre o que dizíamos e o que estávamos fazendo."

Recusando-se veementemente a falar sobre política, Gabrielli afirma que a Petrobrás não passará por nenhuma mudança. O foco continua sendo transformar-se na líder petrolífera da América Latina. Não mudará a política de preços. Na sexta-feira, depois de sete horas de reunião do Conselho de Administração, que não foram suficientes para definir a revisão do planejamento estratégico da companhia, ele deu a primeira entrevista como presidente da estatal. A seguir, os principais trechos:

Está havendo algum acerto político na constituição da nova diretoria da Petrobrás?

A diretoria da Petrobrás está toda constituída. O novo diretor financeiro é Almir Barbassa e esta é a única mudança. A reunião do conselho de administração hoje (sexta-feira) foi feita sob a presidência da ministra Dilma (Rousseff, da Casa Civil) e isso é uma decisão do acionista controlador (União).

O novo ministro de Minas e Energia (Silas Rondeau) fará parte do conselho?

Isso não é decisão da diretoria. Ele não participou da reunião de hoje. Mas isso não é da alçada do presidente da Petrobrás. O conselho está constituído, a diretoria e as gerências também. A Petrobrás funciona normalmente, sem traumas nem mudança.

O diretor Paulo Roberto Costa é uma indicação do PP. As substituições de pessoas no governo chegarão à Petrobrás?

Só posso responder a perguntas no âmbito da Petrobrás. Paulo Roberto é o diretor de Abastecimento da Petrobrás. O conselho se reuniu hoje durante longas horas e essa questão sequer foi tocada.

A alta de custos na exploração, produção e refino vai alterar os investimentos da Petrobrás?

Houve aumento de investimento nas grandes empresas de petróleo no mundo por duas razões: os custos aumentaram com a demanda crescente e há escassez de oferta. Isso significa que há uma tendência de aumento de investimentos. Os números específicos da Petrobrás não posso revelar, porque estamos ainda em discussão.

Haverá corte de projetos?

São 298 projetos. Alguns serão adiantados, outros postergados e outros excluídos neste momento. É um conjunto que reflete uma estratégia de fazer a empresa crescer sustentavelmente para se tornar líder da América Latina em energia.

A nova refinaria será mesmo em Pernambuco?

Temos hoje vários grupos discutindo com a PDVSA (estatal venezuelana). Acreditamos que os grupos técnicos estão chegando a uma decisão final. Já está definido que será no Nordeste. A definição do Estado é a parte final do trabalho, que deve estar concluído agora em agosto. Já houve 14 reuniões com a PDVSA. No nosso plano, a refinaria deverá começar a produzir em 2011. A construção depende das decisões técnicas. Pode ser 2006, 2007.

Há alguma chance de a Petrobrás arrendar a refinaria de Manguinhos, que ameaça parar este mês?

Estamos discutindo várias alternativas, o arrendamento é uma delas. Há outras, como a possibilidade de auxiliar Manguinhos na exportação, ou de eles conseguirem usar a Cide (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico) para recuperar parte do prejuízo. A Petrobrás não está tratando disso diretamente. Está apenas recebendo algumas propostas e analisando.

A ANP estima que há uma defasagem de 30% no preço da gasolina. Além disso, o Copom diz que não espera aumento dos combustíveis para este ano. Como a Petrobrás está avaliando o preço?

A Petrobrás não comenta as atas do Copom. A política de preços da Petrobrás é sistemática. O mercado americano tem um produtor de petróleo e um refinador, com um distribuidor separado; o mercado brasileiro tem um produtor integrado. No mercado americano, o aumento de preço do petróleo bruto vira aumento do custo do produtor e do refinador, que repassa ao mercado. A Petrobrás é uma produtora de petróleo pesado. Grande parte do petróleo que produzimos, vendemos às refinarias ao preço internacional e elas faturam a margem internamente. Assim, a Petrobrás pode administrar flutuações de preço de forma diferente .

Mas por quanto tempo pode absorver a alta internacional sem muito prejuízo?

Sem nenhum prejuízo. Ao contrário, aumentando o lucro. É bom frisar: a Petrobrás tem aumentado o lucro. E há também o lado da oferta. Toda vez que se olha o mercado americano se diz: o mercado subiu, os refinadores se ajustam ao preço, porque todos são pequenos em relação à demanda. A Petrobrás é uma grande refinadora. Se ela varia preço, a demanda reage. Se queremos ter presença ativa no mercado, temos de ter uma gestão de preços que permita um mínimo impacto na demanda, que continua crescendo.

É possível então manter os preços descolados do mercado externo?

Não podemos fazer isso no longo prazo porque, se mantivermos o preço abaixo do internacional por um longo tempo, vamos atrair empresas exportadoras, o que é uma inconseqüência do ponto de vista de gestão. Nem podemos manter o preço muito alto para não haver preferência pela importação. Com o mercado aberto, não é possível descolar o preço brasileiro do internacional por muito tempo.

Mas os preços estão sendo mantidos desde novembro. Qual a defasagem hoje?

Desde novembro a flutuação do preço internacional é muito intensa. Não trabalhamos com o conceito de defasagem. Analisamos a volatilidade de preços. Se isso converge para um determinado patamar, reajustamos o preço. Não é o tempo que vai definir. É, digamos, o nervosismo do mercado. Se forem mantidos os níveis atuais, dificilmente haverá aumento. Mas se a volatilidade se reduzir em torno de um determinado valor, teremos de aumentar. E não teremos problema em fazer isso, como já fizemos.

Esse determinado valor são os US$ 60?

Não posso falar em termos absolutos. O preço internacional é uma variável. E esse não é um problema que se resolve numa dimensão só. Por exemplo: o que acontece na Argentina, na Argélia, no Caribe, afeta muito o mercado brasileiro, que é um mercado isolado, no Atlântico Sul, e afeta muito pouco os Estados Unidos e esse, sim, determina o preço internacional.

Quando o sr. diz que não podemos ficar muito tempo descolados do preço internacional, a qual período o sr. se refere?

Falando pessoalmente: você quer comprar um blusa que custava R$ 120 ontem e hoje custa R$ 150. Anteontem, era R$ 90. Então, você vai esperar que o preço se estabilize. O petróleo está variando muito. Foi a US$ 62, US$ 53, estava a US$ 40 há três meses. O problema não é o tempo, mas a amplitude da variação. A volatilidade é que é importante.

No caso da Petrobrás, a interferência do governo na política dos preços prolonga o monopólio, à medida que a importação fica proibitiva.

A política de preços da Petrobrás busca proteger o mercado. Não queremos que a demanda caia. Como toda a empresa, tentamos segurar o nosso mercado. Em relação à importação e exportação, o mercado brasileiro é livre, mas ninguém quer assumir o risco de enfrentar a volatilidade. Temos vantagens pelo fato de investirmos na produção e no refino. É a remuneração do investimento, não é um monopólio legal. Em 1998 (quando foi quebrado o monopólio), a produção da Petrobrás era 980 mil barris por dia, hoje é 1,750 bilhão e vai ser 2,3 bilhões em 2010. Esse é o ponto.

A empresa deixa de ter um lucro maior por causa do preço?

Isso não é possível dizer porque não se sabe que efeito o reajuste teria sobre a demanda. Cada vez que se eleva preço, se diminui demanda. Entre as empresas brasileiras, quem paga 6% de dividendo para as ações? Quem paga o volume de lucro que a Petrobrás paga aos acionistas no Brasil? As ADRs (ações negociadas na Bolsa de Nova York) da Petrobrás nos últimos dois anos tiveram valorização de US$ 14 para US$ 53.

Mesmo assim, a Vale do Rio Doce conseguiu o investment grade e a Petrobrás, não.

A Vale é fortemente exportadora, vende a maior parte da produção para o mercado externo, em dólares. A Petrobrás exporta 15% da produção, vende a maior parte para o mercado interno em reais. Vamos ser investment grade, falta apenas um degrau. A SEC (CVM americana) nos autoriza a emitir US$ 6,5 bilhões nos próximos dois anos em captação de recursos sem autorização prévia. Uma série de indicadores vão nos levar ao grau de investimento.

A grave crise que o governo vive hoje afeta a Petrobrás?

O mercado se manifesta por meio do preço das ações, que não caiu, pelo custo do mercado secundário, que não aumentou, e da oferta de financiamento, e não temos indicação de nenhuma piora até hoje. O governo influi na companhia, como todo acionista controlador em qualquer empresa. É absolutamente normal e não traz problemas para dentro da Petrobrás.

Qual é a real defasagem de preço?

O conceito de defasagem trabalha com uma métrica que não tem muito significado, porque quando se tem na economia um mercado constestável tem-se de identificar os potenciais contestadores que, para nós, não é o Golfo do México. Para nós, por exemplo, é a Argentina, e o preço lá é o mesmo daqui.

E como ficou a situação da Petrobrás na Bolívia?

A Bolívia tem um papel importante como fonte supridora de gás para o Brasil. A nova lei boliviana aumenta o custo tributário e diminui o retorno do investimento feito. Acredito que não teremos prejuízo na Bolívia, mas vamos diminuir o nosso retorno e teremos de avaliar novos investimentos com mais cuidado. A Bolívia está se estabilizando, os investimentos atuais vão continuar funcionando, mas vamos analisar os futuros investimentos com ótica um pouco mais mais rigorosa.

E a crise atual do governo e do PT, como o sr. avalia?

Não me pronuncio sobre isso como presidente da Petrobrás.