Título: Crise política não assusta estrangeiro
Autor: Patrícia Campos Mello
Fonte: O Estado de São Paulo, 31/07/2005, Economia & Negócios, p. B5

Enquanto investidores brasileiros se estressam por causa dos escândalos políticos, os estrangeiros não estão nem aí para a crise. De 1.º de julho até quarta-feira passada, houve uma entrada líquida de R$ 1,97 bilhão de recursos de investidores estrangeiros na Bovespa. Enquanto isso, os investidores brasileiros ficaram bem mais inquietos com a instabilidade política e venderam mais ações do que compraram - no mesmo período, a Bolsa registrou a saída de R$ 1,82 bilhão de recursos de investidores institucionais brasileiros (fundos e fundos de pensão) e saída de R$ 78,5 milhões de empresas nacionais.

Na BM&F, a situação não é diferente. Instituições financeiras brasileiras apostam na alta do dólar, enquanto os investidores institucionais estrangeiros acreditam que o real vai continuar se valorizando. Nos últimos dias, investidores estrangeiros mantiveram posição vendedora de dólar futuro (aposta em queda da moeda americana), ainda que em menor escala. Já as instituições financeiras brasileiras, que compõem a maioria dos investidores da BM&F, mantiveram posição compradora de dólar futuro (aposta em alta da moeda).

Portanto, apesar de alguns bancos estrangeiros terem recomendado redução na exposição a papéis do Brasil, os investidores do exterior ainda não assumiram uma posição defensiva. "Os investidores locais são sempre os primeiros a entrar em pânico quando há incertezas", afirma Luis Fernando Lopes, sócio e economista-chefe do Pátria Banco de Negócios.

Nos dias 22 e 25 deste mês, parecia que o mercado havia finalmente acordado para a gravidade da crise. O dólar teve alta recorde em 13 meses na segunda-feira e a Bolsa despencou. Mas tudo voltou ao normal no resto da semana.

Jankiel Santos, economista do banco ABN Amro, tem conversado bastante com investidores estrangeiros. "Eles só vão se preocupar se as denúncias chegarem até o presidente Lula ou ao ministro Palocci."

Em entrevista na sexta-feira passada, o gestor de Fundos para Mercados Emergentes da Pacific Investment Management Company (Pimco), Mohamed El-Erian, afirmou que a crise política poderá provocar mais nervosismo, mas não contaminar a economia. "Nossa visão é de mais longo prazo, pois consideramos que a crise política não contaminará os fundamentos econômicos do Brasil", disse Erian. "Tanto que estamos aproveitando esse momento para aumentar nossa exposição à dívida brasileira."

Essa interpretação é freqüente: os estrangeiros estão levando mais em conta os bons fundamentos da economia do que instabilidades momentâneas. "A economia está descolada da crise política", diz Ricardo Amorim, chefe de Pesquisas para a América Latina do Banco West LB em Nova York.

ONDA DE LIQUIDEZ

Esse descolamento se deve a três fatores, segundo Amorim. A economia mundial passa por uma onda de liquidez. Com as taxas de juros americanas ainda muito baixas, os investidores ficam propensos a assumir riscos e buscar maiores retornos em países emergentes. Ao mesmo tempo, os fundamentos econômicos brasileiros são muito saudáveis e a crise não vai afetar a política econômica pró-mercado, acredita.

"Os fundamentos econômicos são os melhores dos últimos 25 a 30 anos", diz Lopes, do Pátria. O superávit comercial do País pode chegar a US$ 40 bilhões, o Brasil registrou superávit em conta corrente e o governo vem mantendo superávits primários crescentes.

Mas, para Lopes, a liquidez externa é mesmo o principal motivo para a "blindagem" da economia. Ele compara os efeitos da atual crise política com o estrago que fez o caso Waldomiro, no primeiro semestre de 2004. Na época, o mundo passava por uma fase de aversão ao risco por causa das primeiras indicações de um ciclo de alta dos juros americanos. Comparadas com a crise atual, as denúncias envolvendo o ex-assessor da Casa Civil Waldomiro Diniz eram minúsculas. Ainda assim, o dólar subiu para R$ 3,20 e o risco país atingiu 800 pontos.

As outras interpretações sobre a blindagem da economia são mais cínicas. Para alguns, os estrangeiros ainda não entenderam a dimensão dos escândalos de corrupção. "Por isso não caiu a ficha", diz um analista.

A outra é a versão do "pragmatismo do mercado". "O mercado é, por princípio, a favor de todos os governos", diz Lopes. "Eles preferem qualquer governo à incerteza