Título: País ainda busca sua TV digital
Autor: Renato Cruz
Fonte: O Estado de São Paulo, 31/07/2005, Economia & Negócios, p. B8

O ministro das Comunicações, Hélio Costa, assumiu a pasta batendo na assinatura básica do telefone e no sistema brasileiro de TV digital que, para ele, não deveriam existir. Em reunião com as operadoras, abrandou o discurso e prometeu buscar redução de impostos para baixar a assinatura. Para os pesquisadores do sistema brasileiro, Costa recomendou que continuassem o trabalho. O dinheiro já foi liberado pelas Comunicações e encontra-se nas mãos da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), do Ministério da Ciência e Tecnologia. Os consórcios de pesquisa estão confiantes que entregarão uma proposta de sistema brasileiro em 10 de dezembro. "O Brasil vai ter sua TV digital", afirmou o professor Marcelo Zuffo, do Laboratório de Sistemas Integráveis da Universidade de São Paulo, que lidera as pesquisas sobre o terminal de acesso. Ou seja, a caixa que permitirá ver o sinal digital nos aparelhos analógicos e vai garantir a interatividade da televisão digital.

A TV digital garante imagem e sons melhores, permite que vários programas sejam transmitidos ao mesmo tempo em um só canal e abre espaço para serviços interativos, parecidos com os da internet.

A novela da televisão digital brasileira começou em 1994, quando os radiodifusores começaram a avaliar as alternativas tecnológicas existentes no mundo. O governo anterior planejava escolher um entre os três grandes sistemas existentes: o americano ATSC, o europeu DVB e o japonês ISDB. A Universidade Mackenzie chegou a testá-los em 2000, com vantagens de desempenho para o japonês. Os testes brasileiros foram reconhecidos pela União Internacional de Telecomunicações (UIT), agência da Organização das Nações Unidas (ONU).

Quem inventou essa história de sistema brasileiro de TV digital foi o ex-ministro Miro Teixeira, o primeiro a assumir a pasta no governo Luiz Inácio Lula da Silva. Com isso, paralisou o sistema anterior, que aparentemente está sendo retomado por Hélio Costa, para quem deve ser escolhido um dos três sistemas internacionais.

Ou não. Existe aí um jogo de palavras: o ministro fala em não a um padrão brasileiro, mas o que está sendo pesquisado é um sistema brasileiro. Um sistema é formado por vários padrões. Um para vídeo, outro para áudio, outro para transmissão, outro para o middleware (software que funciona com um sistema operacional da televisão), etc.

O dinheiro para a pesquisa - que era R$ 80 milhões e já caiu para R$ 38 milhões - e o tempo de trabalho não seriam suficientes para criar padrões. O que os pesquisadores brasileiros estão fazendo é pegar os padrões internacionais existentes e tentar adaptá-los ao que se imagina que será o sistema nacional.

O grupo do middleware, por exemplo, elegeu um padrão chamado Globally Executable MHP (GEM), que servirá de base para as soluções americana, européia e japonesa e deve se tornar um padrão mundial com a chancela da UIT. "Queremos ter uma tecnologia global", explicou o professor Guido Lemos, da Universidade Federal da Paraíba, que lidera o grupo de pesquisa do middleware. "Se tivesse 20 anos para pesquisar, poderia sugerir alguma coisa revolucionária. Com um ano, dá para estudar o estado da arte e propor extensões."

O padrão GEM, em sua versão básica, não prevê software de navegação de internet e correio eletrônico, o que foi pedido pelo governo. Os grupos de pesquisa trabalham em soluções desse tipo para adaptar a tecnologia às necessidades locais, com o cuidado de não tornar as soluções incompatíveis.

Em reunião com os pesquisadores, há duas semanas, o ministro disse que não queria um novo PAL-M, padrão de TV em cores criado no País, com o qual disse que sofreu muito quando atuava como jornalista. Costa foi repórter do Fantástico, da TV Globo.

O governo bloqueou R$ 14 milhões que seriam usados pelo CPqD, de Campinas, que coordena os trabalhos de pesquisa, para comprar uma estação experimental, a ser usada nos testes dos protótipos. A estação não estava prevista nos editais do sistema brasileiro. O CPqD informou que existem soluções alternativas.