Título: Novo fracasso à vista?
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Fonte: O Estado de São Paulo, 31/07/2005, Notas & Informações, p. A3

A intransigência continua bloqueando as negociações globais de comércio. A cada novo fracasso dos diplomatas aumenta o risco de mais um desastre na Rodada Doha, desta vez na conferência ministerial marcada para dezembro em Hong Kong. Permanece o impasse em torno da agricultura, impedindo o avanço nas discussões de outros temas importantes, como a abertura de mercados para produtos industriais e para serviços. Na sexta-feira mais um prazo se esgotará sem resultados que possam justificar algum otimismo. Agora, na melhor hipótese, algum progresso ocorrerá em setembro e haverá, então, esperança de resultado positivo no fim do ano e de acordo final em 2006.

A última tentativa séria de superação do impasse foi a proposta apresentada pelo Grupo dos 20, liderado por Brasil, China e Índia, na miniconferência ministerial do início do mês em Dalian, na China. A delegação da União Européia anunciou a disposição de tomar aquela proposta como base para o debate. Haveria, naturalmente, algumas alterações. Mas a boa vontade ficou nas palavras.

As alterações sugeridas pelos europeus, sem apresentação formal de uma contraproposta, neutralizariam os efeitos pretendidos pelos emergentes e sintetizados na fórmula do G-20. Permitiriam a preservação, no mundo rico, de barreiras ainda muito elevadas, de modo geral, e de proteção excessiva contra produtos importantes para o comércio dos países em desenvolvimento. Os EUA e o Japão mantiveram igualmente a posição defensiva, impedindo o progresso das negociações.

Sem avanço nessa área, considerada vital pelos emergentes, pelo Banco Mundial e por muitas organizações não-governamentais que acompanham a rodada, não houve concessões dos países em desenvolvimento em relação aos produtos industriais. ¿Estávamos dispostos a mostrar flexibilidade, mas não podemos, se não há nenhum avanço no setor agrícola¿, disse em Genebra, na terça-feira, o chefe da delegação brasileira, embaixador Clodoaldo Hugueney.

As negociações deste ano foram programadas com o objetivo, formalmente aceito por todos, de se chegar a dezembro com as grandes linhas de um acordo já esboçadas. Segundo esse plano, os negociadores deverão entregar aos ministros, para discussão em Hong Kong, o rascunho de um entendimento sobre os temas principais, com o menor número possível de itens em aberto. Será a base para que os ministros decidam o roteiro da etapa final. Se tudo correr muito bem, a rodada poderá ser concluída até o meio de 2006. A partir daí os governos cuidarão, segundo as normas legais de cada país, da ratificação dos compromissos negociados pelos diplomatas.

A última tentativa ocorreu há dois anos e terminou no fracasso da conferência de Cancún. As negociações foram retomadas no começo de 2004 e avançaram com muita dificuldade. Ganharam algum dinamismo a partir de um primeiro entendimento sobre a questão agrícola, em julho do ano passado, mas houve poucos avanços nos últimos 12 meses.

Em 2003, os governos do mundo rico tentaram responsabilizar o G-20 pelo fracasso de Cancún. Já na época era evidente, para quem havia acompanhado as discussões, que a culpa era mesmo do mundo rico. Mas a confusão nunca foi inteiramente desfeita. Desta vez é ainda mais claro que um novo fracasso será da responsabilidade dos mais avançados, especialmente dos EUA e da União Européia.

Se a oportunidade for novamente perdida, continuar os trabalhos será muito complicado. O Executivo dos Estados Unidos terá de negociar com o Congresso a renovação do mandato negociador. Enquanto isso, tramitará o projeto de uma nova Lei Agrícola, com a manutenção de pesados subsídios e de elevado protecionismo. A União Européia continuará a discutir a reforma de sua política agrícola, mas a liberalização será provavelmente dificultada pela nova lei americana.

Mesmo com o risco do fracasso em dezembro, o governo brasileiro, segundo os diplomatas, não está disposto a ser flexível para aceitar um acordo medíocre. É uma posição respeitável. Mas o custo de um fracasso também será alto. Será mais uma decisão muito difícil.