Título: A rotina de Geiza da SMPB, entre milhões de reais
Autor: Sérgio Gobetti
Fonte: O Estado de São Paulo, 31/07/2005, Nacional, p. A11

"Bruno, bom dia! Nesta linda sexta-feira, o saque (vai) ser efetuado pelo sr. David Rodrigues Alves. Gentileza protocolar a entrega. Grande abraço, Geiza." Assim, de forma rotineira e informal, Geiza Dias, funcionária da SMPB em Belo Horizonte, comunicava-se quase diariamente com seu contato no Banco Rural, Bruno Tavares, para autorizar o saque de milhões das contas de Marcos Valério.

Entre 10 de março de 2003, quando os saques começaram, e 27 de maio houve nada menos que 49 cheques pagos em dinheiro vivo pelo Rural para pessoas indicadas pela funcionária da SMPB. No total, cerca de R$ 10,6 milhões foram retirados da conta da agência nessa fase.

Os cheques eram emitidos em nome da própria empresa e endossados no verso para que os indicados pudessem sacar em espécie. A operação ocorria assim: por e-mail, Geiza avisava na véspera ou no próprio dia que uma pessoa iria recolher o dinheiro na agência. No início, o dinheiro era retirado principalmente em Belo Horizonte, por meio de policiais que prestavam serviço informal à SMPB, e de lá era enviado a Brasília.

Depois, Valério - íntimo da família Rabello, dona do Rural - achou forma mais simples e segura de entregar os recursos ao então tesoureiro do PT, Delúbio Soares: o banco autorizou a retirada do dinheiro na capital ou sua entrega na SMPB com carro-forte. "Tem-se a impressão de que Valério é dono do Rural", ironiza o senador Álvaro Dias (PSDB-PR), falando do trânsito que ele tinha no banco.

Documentos da CPI mostram que o gerente em Belo Horizonte, Marcus Antônio de Carvalho, recebia o e-mail de Geiza e enviava fax para o colega em Brasília, José Francisco, autorizando o saque. A diretora-financeira da SMPB em Brasília, Simone Vasconcelos, era quem sacava o dinheiro na agência, mas às vezes o destinatário fazia isso pessoalmente. Como o ex-tesoureiro do PP Jacinto Lamas, e o assessor do PL, João Cláudio Genu, que juntos retiraram R$ 2,5 milhões entre setembro de 2003 e janeiro de 2004.

Em alguns casos, as pessoas retiraram o dinheiro sem que o banco ficasse com uma cópia de seu RG, o que agora cria dificuldades para a CPI identificar sacadores. Para Dias, essas irregularidades merecem apuração do Banco Central. "O Rural admite trambique financeiro com muita facilidade", opina.

Na versão de Valério e Delúbio, o dinheiro seria de empréstimos com o próprio Rural. Os dados reunidos até mostram certa coincidência de datas entre algumas operações e a distribuição do dinheiro, mas a CPI desconfia que tudo foi feito para despistar, encobrindo a relação do esquema com o interesse das empresas das quais Valério era lobista ou sócio.

"O Valério nunca desconheceu a ilegalidade do que fazia, mas resolveu assumir o risco com dois objetivos: rápido enriquecimento e apoio a um esquema de poder do PT que lhe permitiria operar o sistema por duas décadas, que era o sonho de José Dirceu", diz o deputado Onyx Lorenzoni (PFL-RS).