Título: 'Uma guerra sempre termina na mesa de negociação', diz Wagner
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Fonte: O Estado de São Paulo, 31/07/2005, Nacional, p. A12

O ministro-chefe da Secretaria de Relações Institucionais, Jaques Wagner, tem um palpite: a crise política vai terminar logo. "Uma guerra começa pela incapacidade de negociar e inevitavelmente termina na mesa de negociação", diz ele. Aos 54 anos, 12 dias no cargo, Wagner fala em desobstruir os canais com o Congresso, em diálogo institucional e em relações azeitadas. Mas tem ojeriza do rótulo "pacto de governabilidade". Encarregado de fazer a ponte da articulação política entre o Palácio do Planalto e o Congresso, o ministro nega que esteja em curso um "acordão" para salvar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva do impeachment e livrar uma penca de deputados da cassação. Afirma, no entanto, que a oposição precisa ter "racionalidade" para não desarrumar a economia.

"A conversa que tem de ser feita é para chamar todo mundo à racionalidade. Nenhum país pára em processo pré-eleitoral", observa Wagner. "A crise política é por conta das denúncias: elas são apuradas e o Congresso continua funcionando. Essa é a base do acordo", define, cauteloso, sem mencionar os termos para o entendimento e citando apenas a pauta de votações do Legislativo.

Nesta entrevista ao Estado, Wagner diz não acreditar em mensalão nem em "lógica rotineira" de abastecimento de deputados em troca de apoio ao governo no Congresso. Com sotaque baiano e falando pausadamente, ele sugere, porém, que pode ter havido algum tipo de acerto. Na sua versão, longe do alcance da mira palaciana. "Se alguém usou esse método para atrair parlamentares para esse ou aquele partido isso é outro problema", ressalva. "Vamos esperar as investigações."

Um dos fundadores do PT, Wagner congelou o sonho de concorrer ao governo da Bahia para descascar o pepino da articulação política, a pedido de Lula. Por enquanto, não está candidato e acha que o PT não acabou. "Nunca ouvi falar nesses empréstimos para o PT, nunca vi esse moço Marcos Valério e nunca recebi um telefonema dele", jura. E completa, aliviado: "Graças a Deus."

O sr. assume a secretaria encarregada de cuidar da articulação política justamente na maior crise política do governo. Como conter esse processo de contaminação da economia?

Entendo que há maturidade política para que governo e oposição disputem e dialoguem. São dois lados da mesma moeda. Uma guerra começa pela incapacidade de negociar e inevitavelmente termina na mesa de negociação. Não há hipótese para imaginar que se vai aniquilar os dois lados.

Quais seriam os termos do acordo? Que sinal o governo pretende dar à oposição?

Temos total interesse em conversar porque acima da disputa está o compromisso com as próximas gerações e elas dependem de crescimento, geração de emprego e desenvolvimento. Eu, inclusive, acho muito injustas - e o presidente Lula fica muito chateado de ouvir - as ilações desse momento com o chavismo.

Mas muitos dizem que há risco de o Brasil virar uma Venezuela...

Não vejo nenhum. Um presidente que conduziu durante 30 meses a economia e o Orçamento - muitas vezes a um preço político alto, e com a responsabilidade que ele tem conduzido, - não vai resolver a crise pela via da divisão do País. Quem não opera a ferramenta mais fácil vai propugnar aquela muito mais complicada? Acho isso uma baboseira. Agora, se a oposição gostaria que o presidente se trancasse no Palácio do Planalto, em função do que está acontecendo, pode saber que isso ele também não vai fazer.

Tanto que agora ele tem uma agenda mais popular...

Não é isso. Posso comparar qualquer agenda desde o início do governo com a desses dois meses para mostrar que é absolutamente a mesma que vinha sendo feita. O presidente não vai fazer nenhum milímetro a mais nem a menos do que vinha fazendo. Nem na economia nem nesses contatos com a população.

Na prática, diante desse turbilhão de denúncias, o que pode ser feito para melhorar a relação do governo com o Congresso?

A crise já está melhorando. Interessa ao governo que o espaço das CPIs seja totalmente preservado, sem contaminar as deliberações ordinárias do Congresso. Isso é bom para o governo, porque as coisas andam, e é bom para o Congresso, que não vai viver só de apuração. Também é preciso dar respostas para a sociedade. A sociedade civil quer isso? Quer. O Armando Monteiro, presidente da Confederação Nacional da Indústria, também se manifestou. Acho que todo mundo quer mais ou menos a mesma coisa. Acredito que é possível esse diálogo, com os sinais já dados. Agora é uma questão de operacionalização: sentar e conversar.

É este o pacto de governabilidade? Como será?

Não vejo essa coisa de pacto de governabilidade. A conversa que tem de ser feita é para chamar todo mundo à racionalidade. Que é o quê? A disputa política existe, é legítima e convive com o funcionamento do País. Nenhum país pára em processo pré-eleitoral. A crise política é por conta de denúncias: elas são apuradas e o Congresso continua funcionando. Essa é a base do acordo.

Mas quais são os pontos que podem ser negociados com a oposição?

Não há pontos novos, por isso nem estou falando em agenda. A reforma política já estava posta, a reforma tributária, a regulamentação das Parcerias Público-Privadas (PPPs), a lei geral da microempresa, a lei do saneamento, da defesa da concorrência, fora uma série de outros projetos que há para discutir no Congresso. Não há uma pauta nova que brota por causa da crise. Agora, num momento de crise, quando se está investigando o processo de financiamento irregular de campanha, não há melhor hora para fazer a reforma política. Até para que novos episódios como esses não venham a ocorrer .

Por que só agora o governo está lançando um pacote de medidas para combater a lavagem de dinheiro?

O ministro Márcio Thomaz Bastos, da Justiça, está há mais de um ano trabalhando numa lei sobre lavagem de dinheiro, com consultas internacionais. Está ficando pronta agora. É a proteção da sociedade contra o mau uso do dinheiro público. Mas o que estou dizendo é o seguinte: não há pauta ou agenda criada como conseqüência da crise. Tudo está sendo cumprido, a investigação continua até o relatório final da CPI dos Correios e agora vamos pôr o pé no chão. A gente não vive de crise. O Armando Monteiro me disse: 'Vamos fazer uma agenda positiva'. Podem dar o nome que quiser, mas vou insistir no que o presidente me pediu.

E o que foi?

O binômio investigação-punição dos culpados. É o que a sociedade quer, com o funcionamento normal das instituições. Interessa ao governo a normalidade dentro da anormalidade.

Mas o senhor acredita mesmo que isso é possível? Por que, então, o presidente recorreu ao discurso da economia vulnerável?

É óbvio que, em toda a trajetória que estamos fazendo na economia, não é de hoje que há uma série de questionamentos. Uns acham, por exemplo, que o juro está alto demais, por isso está apontando para o desaquecimento da economia. Mas existem muitas variáveis que causam impacto na economia. Então, querer atribuir somente à crise qualquer ponto fora da curva é um exagero. Eu não vejo risco maior de impacto porque o Brasil, depois de todos esses anos de combate à inflação, tem história suficiente para dar tranqüilidade à economia e aos investidores. Agora, é óbvio que tem que cuidar. E acho até que essa variável é uma das que botam racionalidade na cabeça de todo mundo. Por mais que todos queiram a disputa política, eu diria que ninguém quer - nem a oposição nem o governo - a desarrumação da economia. A crise está ganhando seu contorno. Não é uma crise sistêmica e genérica: é localizada. Então, hoje há ambiente de mais racionalidade.

O fato de as denúncias também atingirem integrantes do PFL e do PSDB, como o presidente do partido, senador Eduardo Azeredo (MG), facilita um acordo?

Eu não tenho nenhuma alegria quando vejo os meus ou os adversários sendo surpreendidos por revelações como essas, porque acho que são ruins para o funcionamento do Estado e para a imagem da classe política. Mas é inegável que essa variável compõe o quadro. Na verdade, tem uma coisa - o problema do financiamento de campanha - que, provavelmente, é comum a muitos. Essa pode ter sido uma das variáveis. Não para mim, mas para quem estava querendo passar do ponto.

Na terça-feira haverá o depoimento do ex-chefe da Casa Civil José Dirceu ao Conselho de Ética. O governo não teme esse depoimento?

Não. Quando se começa a criar um clima que não é de provocação, mas sim de disputa política normal, tudo melhora. É óbvio que todo mundo está perplexo, chocado com revelações de hoje, de ontem... Seria ingenuidade da minha parte imaginar que, havendo um problema como esse, a oposição não iria querer tirar proveito político-eleitoral. Agora, se estava havendo exagero por parte da oposição, me parece que tudo está voltando ao leito natural.

O governo negocia para não haver impeachment?

Eu acho que isso é inegociável.

Por quê?

É por isso que não falo em pacto de governabilidade. Nós não sentaremos em torno de uma mesa de negociação para proteger qualquer tipo de crime. Como eu tenho absoluta tranqüilidade de que não há nenhum tipo de crime cometido pelo presidente da República, eu não sento para negociar essa agenda.

O mensalão existiu?

Eu não acredito em mensalão.

O presidente da CPI, senador Delcídio Amaral (PT-MS), chegou a dizer que havia indícios de mesada a parlamentares...

É óbvio que só a investigação poderá dizer. Vamos esperar. Eu, pessoalmente, não consigo achar que havia uma lógica rotineira de abastecimento, muito menos em função de votação disso ou daquilo. Agora, se alguém usou esse método para atrair parlamentares para esse ou para aquele partido, isso é um outro problema. Deixa a investigação seguir.

O senhor conhecia o publicitário Marcos Valério, apontado como operador do mensalão?

Nunca ouvi falar nesses empréstimos para o PT. Nunca vi esse moço, nunca fui apresentado, nunca recebi um telefonema dele, graças a Deus.

O PT acabou?

De jeito nenhum. O PT tem 25 anos de história e um momento de crise. Não acho que o momento comprometa a história. É óbvio que tudo vai depender do comportamento do partido. Eu acho injusta a generalização que se tenta fazer. Se estamos tendo problemas em relação a essas denúncias, também posso apresentar uma lista imensa de prefeituras do PT que são exemplos de gestão. Eu não acredito em barbárie e vejo o PT como parte importante da teia democrática do Brasil. É claro que, na disputa política, há quem acredite que esse é o momento para bater, para ver se o PT desmorona. Mas não desmorona. A militância em vários Estados está perplexa e chocada porque essa não é a nossa praia. Todo mundo diz: 'Vamos apurar, vamos punir'. Passaremos por um profundo processo de reflexão daqui para a frente.

Com toda essa crise, o presidente Lula será candidato à reeleição?

Isso é só para abril de 2006. O presidente sempre fala para a gente: 'Não converso sobre esse tema'. Ele tem razão.