Título: Bandido, era Lê. Convertido, é irmão Luís
Autor: Ricardo Westin
Fonte: O Estado de São Paulo, 26/06/2005, Vida&, p. A24

"Se o irmão não chegar em dez minutos, eu mesmo começo o culto", diz com tranqüilidade Luís Antônio Lisboa, de 35 anos. Ele veste a calça amarela característica dos 1.200 presos da Penitenciária 2 de Sorocaba (SP). Quando atendia pelo apelido Lê, era um foragido da Justiça, dono de uma ficha criminal que incluía homicídio, tentativa de latrocínio, tráfico de drogas e assalto a bancos. Encarcerado pela terceira vez, ele já cumpriu 3 dos 14 anos a que foi condenado e conseguiu deixar para trás os tempos de Lê. Está livre da cocaína e do crack e não tem planos de escapar da cadeia. Prestes a concluir o 2º grau, aprendeu a tocar violino e escreveu três livros. Agora só é chamado de irmão Luís.

"Deus muda mesmo o homem", afirma ele, que passou a vida toda se dizendo católico e espírita, mas diz só ter sentido "Deus no coração" quando começou a freqüentar os cultos da Congregação Cristã no Brasil dentro do presídio. Depois de batizado, tornou-se uma espécie de porta-voz dos 80 seguidores dessa igreja na penitenciária.

Uma pesquisa realizada nas prisões do Estado de São Paulo em 2002 mostra que a transformação de Lê em irmão Luís é apenas um exemplo entre muitos de como os evangélicos estão conquistado espaço também entre os presidiários (veja quadro acima).

O verbo "conquistar" não é exagero para explicar o avanço dos evangélicos para atrás das grades. Os cultos dos quais Luís participa são celebrados num templo que foi construído pela Igreja Universal do Reino de Deus. A diretoria da penitenciária autorizou a edificação - que tem 450 lugares e a inscrição "Jesus Cristo é o Senhor" em letras góticas vermelhas na parede do altar - com a condição de que também pudesse ser usada por outras denominações. Nos sete dias da semana, de manhã e à tarde, o espaço está sempre ocupado por algum grupo.

"O trabalho da militância evangélica é muito forte", diz o sociólogo Joilson Barreto Costa, que estudou a ação dos evangélicos num presídio do Recife para escrever Militância, Dádiva e Conversão Religiosa, sua dissertação de mestrado na Universidade Federal de Pernambuco. "Eles têm um discurso muito atraente. É bom ouvir que seu passado vai ser todo apagado e que, a partir da conversão, você vai poder escrever uma história nova. O criminoso ouve que ele não será excluído da salvação."

Entre os 1.200 presos da Penitenciária 2 de Sorocaba, 700 são católicos e 400 são evangélicos. Apesar disso, os evangélicos são muito mais coesos. Tanto que se agrupam em alas específicas, conhecidas como "celas dos crentes". Os 80 seguidores da Congregação Cristã no Brasil, por exemplo, estão em cinco celas, onde ninguém pode ficar sem camisa, ver TV ou beber.

"Quando tínhamos presos da facção criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital), era comum haver brigas e até mortes", conta o agente penitenciário Luís Adauto. "Quando o PCC saiu e os evangélicos entraram, tudo ficou diferente. Até parece outro lugar. Eles nunca brigam. Quando se desentendem, é por causa da religião."